MÃO DE FERRO

Quando eu era bem novo, cantávamos uma conhecida música na igreja que tinha como refrão a frase:

“Nem as folhas das arvores se movem, se não for pelo seu poder”.

Éramos ensinados que Deus é soberano e por ele ser soberano, tudo o que acontecia era de sua vontade. Seja o bem ou o mal.

Calvino defendia esta soberania em todos os seus escritos e chamava esta soberania divina de “providência”, acreditando que tudo estava dentro do controle absoluto de Deus. Nada acontece sem o seu consentimento, inclusive o pecado e o fato do descrente não aceitar o evangelho. Tudo estava dentro do insondável propósito divino.

Do mesmo modo, outros teólogos afirmam que Deus programou você, como você nasceria, como viveria e onde viveria, Deus nunca fez nada por acaso. Esta firmação é bonita, quando é dita para americanos ricos e com a vida ganha.

Mas é uma ideia difícil de conceber, quando uma pessoa nasce e vive em uma favela, com esgoto ao céu aberto, balas perdidas e fome. Ou quando crianças nascem em países em guerra e no seu cotidiano, pessoas morrem todos os dias.

Na minha adolescência, sem nada com que me preocupar, afirmar que tudo o que acontece é determinado por Deus, não me chocava. Até começar a conviver com gente passando por problemas de saúde, doenças graves e inúmeras situações que a vida traz. E foi levado por estas casualidades, que os meus conflitos começaram e eu pensava:

É da vontade de Deus que as pessoas nasçam na miséria e na pobreza?

É da vontade de Deus tanto sofrimento?

É da vontade de Deus, tantas catástrofes?

Que Deus é este?

Foi com estas afirmações, que meus conflitos nasceram, enquanto a igreja dia a dia declarava: Deus é soberano!

Porém, esta afirmação é incompreendida, apesar de forte.

Quando afirmamos que Deus é soberano, estamos querendo dizer que ele não deve satisfação a ninguém, ele faz o que quer e ninguém pode impedi-lo. A bíblia diz:

“Agindo eu quem impedira?” (Isaías 53:13).

Deus faz o que quer e ponto final, mas isso não significa que tudo o que acontece foi ele que determinou. Existem inúmeros fatores que causam este mal:

O diabo (Efésios 6:11, João 10:10), Nossas escolhas erradas (Romanos 3:10-18), O fruto do pecado (Romanos 7:19).

Quando afirmamos que tudo o que acontece foi determinado por Deus, fugimos das nossas responsabilidades como seres humano. Nos justificamos falando: “Foi Deus quem quis” ou no mínimo pensamos assim. Mas nem tudo o que acontece ele aprova, Deus permite, mas não aprova. Gosto de uma frase de Agostinho:

“Se o bem vem de Deus, o mal se origina da ausência do bem e só pode ser atribuído ao homem, por conduzir erroneamente as próprias vontades”.

A Bíblia diz que um dia prestaremos contas de nossos atos, seremos julgados no tribunal de Deus (Romanos 14:11-12). E se tudo foi determinado por Deus, como seremos julgados por nossos atos? Complicado, não é?

A Bíblia nunca afirmou que tudo o que acontece foi Deus que determinou, o que a bíblia deixa claro é que não há nada que acontece que Deus não saiba. Nada passa despercebido dos seus olhos, nada sai de seu controle e sim, ele faz o que quer afinal, ele é Deus. Mas a vida é dinâmica, temos que enfrentar nossos problemas, fruto de nossas escolhas, tentações do mal e inúmeras situações que a vida nos apresenta e isso não tem ligação com Deus determinar ou não. 

Apesar do caos e dos problemas, Deus é soberano, apesar das dores e da morte, Deus veio para nos dar vida. Podemos estar no deserto por vontade do Pai ou quem sabe por fruto de nossa inclinação malévola, mas independente da situação, não estamos sozinhos, o Soberano está conosco.

E quanto à letra que mencionei no começo do texto, que inclusive muitos achavam que estava escrito na Bíblia. Algo parecido à frase desta música se encontra no Alcorão, 6ª Surata versículo 59:

“Ele possui as chaves do incognoscível, coisa que ninguém, além d’Ele, possui; Ele sabe o que há na terra e no mar; e não cai uma folha (da árvore) sem que Ele disso tenha ciência; não há um só grão, no seio da terra, ou nada verde, ou seco, que não esteja registrado no livro lúcido”.

BIBLIOGRAFIA

 GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. São Paulo: Editora Vida Nova, 2010.

MCDERMOTT, Gerald R. Grandes Teólogos: Uma Síntese do Pensamento Teológico em 21 Séculos de Igreja. São Paulo: Editora Vida Nova, 2013.

CHAMPLIN, RN. Enciclopédia bíblica de teologia e filosofia. 10° ED. São Paulo, Hagnos, 2011.

 WARREN, Rick. Uma Vida com Propósitos. São Paulo: Editora Vida, 2002.

BÍBLIA SAGRADA – Bíblia de Jerusalém, Editora Paulus, São Paulo, 2008.

BÍBLIA SAGRADA – Nova Tradução na Linguagem de Hoje; Ed. Soc. Bíblica do Brasil ; São Paulo; 2000.

Deixe um comentário