OS FILHOS PRÓDIGOS

No evangelho segundo Lucas, lemos uma parábola muito conhecida e uma das mais citadas em estudos e pregações. Trata-se da parábola do filho pródigo. Encontramos esse texto em Lucas 15,11-32. Acredito que a grande maioria conhece. Mas nunca é demais explicar esta parábola.

Parábola é uma técnica muito utilizada na cultura judaica para o ensino. Trata-se de uma narrativa através da qual um ensinamento ou um princípio é transmitido. É uma técnica muito eficiente que era muito utilizada por Jesus.

Esta parábola não foi contada no vazio. Havia uma razão para que Jesus a contasse. Entenderemos melhor toda a situação se analisarmos todo o capítulo 15. Nos primeiros versículos vemos que Jesus estava conversando e comendo com publicanos e outras pessoas, o que era algo muito íntimo na cultura judaica. Os fariseus o viram e começaram a criticá-lo por relacionar-se com “esse tipo de gente”.

Os fariseus eram pessoas de uma classe especial, separada e privilegiada naquela sociedade. Eles eram os líderes religiosos e considerados pessoas que tinham alguns degraus acima das demais pessoas. Eram muito zelosos à lei e a cumpriam fielmente. Porém, o maior problema é que a maioria deles cumpria a lei, mas estava longe de Deus. Podemos dizer que eles cultuavam a lei e não a Jeová; conheciam sua lei, mas não ao próprio Deus. Também mantinham-se longe dos pecadores para não se contaminar com as impurezas do “mundo”. Ao entendermos a práxis desses religiosos é difícil não relacioná-los com muitos religiosos da atualidade.

Vendo que os fariseus estavam indignados por Jesus estar relacionando-se com os considerados imundos da sociedade, ele lhes contou uma sequência de três parábolas. Dos versículos 4 ao 7, lemos a parábola da ovelha perdida; do versículo 8 ao 10 a parábola da moeda perdida e finalmente do versículo 11 ao 32 a do filho pródigo. Para uma melhor compreensão dessas parábolas, não podemos esquecer que elas foram propostas aos fariseus.

Na parábola do filho pródigo vemos 3 personagens principais. O pai e seus dois filhos. O pai simboliza Deus, o filho mais velho, que na cultura judaica tem muitos privilégios sobre os demais, seriam os fariseus, e o filho mais novo os pobres pecadores.

O filho mais novo pede sua parte da herança, e o pai faz sua vontade. Ele se aventura pelo mundo numa terra distante, onde acaba desperdiçando e perdendo todo seu dinheiro. Este filho acaba trabalhando como cuidador de porcos, algo inimaginável para os judeus, já que os porcos são animais imundos. Ele também passa fome e chega a ter vontade de comer a comida dos porcos para saciar sua fome. Em dado momento este filho cai em si e resolve voltar para a casa do pai para trabalhar como um simples empregado, pois assim teria seu sustento. O filho pródigo não se acha mais digno de ser filho; quer ser um simples empregado do pai.

Assim sendo, ele volta para casa e o pai o recebe com uma grande festa. Manda matar um novilho para servir um banquete. Vendo isso. O irmão mais velho fica indignado. Este irmão acha que o pródigo errou e não tem mais direito de voltar para casa. Por conta disso, o irmão mais velho questiona o pai, argumentando que ele fora sempre fiel, nunca o abandonou e nunca sequer ganhou um cabrito para aproveitar. A parábola termina com o pai dizendo a esse filho que ele sempre esteve a seu lado e que tudo o que era seu também pertencia ao filho. Concluiu afirmando que deveriam alegrar-se pois o filho que havia se perdido na vida, voltou.

Quero refletir um pouco sobre os dois filhos. Lembremo-nos a quem esses dois filhos personificam. O irmão mais novo, que representava os pecadores e publicanos, abandonou o que tinha, gastou todo seu dinheiro com extravagâncias e caiu em desgraça. Mas logo reconheceu sua situação e percebeu que tinha que retornar ao pai. Acredito que tenha sido um verdadeiro arrependimento, pois ele não se achava mais digno de ser filho. Estava disposto a trabalhar como um simples empregado. Passou por um doloroso processo, arrependeu-se, voltou para casa e foi perdoado pelo pai. Foi tratado como um filho amado e pela graça do pai, reconquistou a condição de filho.

Quero agora lançar nosso olhar ao filho mais velho. Como citado anteriormente, como o primogênito, ele tinha uma série de privilégios. Era o filho mais importante da família. Normalmente o vemos como um filho mau. Mas olhando para a Bíblia percebemos que é exatamente o contrário. Tratava-se de um filho trabalhador (v. 25). Além de trabalhador, ele também era muito obediente. Nunca havia desobedecido ao pai (v. 29). Segundo seu próprio pai, tratava-se de um filho fiel que nunca o abandonou (v. 31). Quem não iria querer um filho desses?

Entretanto, havia um grande problema. Faltava amor em seu coração.  Assim como os fariseus, ele não transgredia as leis. Mas o próprio pai lhe disse que tudo o que era dele, do pai, também era do filho. Ou seja, era algo óbvio, que o filho não sabia. Mais uma vez vemos a figura dos fariseus. A grande maioria dos fariseus conhece a lei, mas não a Deus. Ao que parece, esse filho amava a lei, empenhava-se no trabalho na propriedade do pai, mas nem ao menos o conhecia. E também faltava amor no coração deste irmão. O sentimento de justiça própria falou muito mais alto do que o amor pelo irmão perdido que voltou. Ele criticou duramente o pai, quando este acolheu o filho que retornou. Era mais importante a justiça ser feita do que o irmão ter voltado ao lar.

Da mesma forma que essa parábola trouxe ensinamentos aos fariseus, Jesus também nos desafia, nos confrontando com as nossas atitudes. Com qual dos dois irmãos que você se identificou? Será que realmente entendemos o amor de Deus, temos uma compreensão, pelo menos razoável, do que seja o Reino de Deus? Infelizmente vejo muitos fariseus nas igrejas. E não são somente os líderes. Muitos daqueles que esquentam os bancos das igrejas têm atitudes farisaicas quando olham para as pessoas que não professam a fé cristã. Ou até mesmo um irmão que está na mesma comunidade.

Será que um dependente químico ou um “simples” morador de rua mal vestido e mal cheiroso são vistos como pessoas que necessitam do amor da igreja? Infelizmente vejo que, cada vez mais a igreja se distancia da sociedade. Muitas vezes a igreja, que somos eu e você, têm a mesma atitude que o irmão mais velho dessa parábola. Quando algum cristão é visto sentado conversando com alguém considerado escória da sociedade, é mal visto. Já fui duramente criticado por estar dando atenção a “esse tipo de gente”. Conheço vários outros casos de pessoas muito próximas que passaram pela mesma situação. Já fui até mesmo impedido de entrar em um templo por não estar vestido de acordo com o regimento daquela “igreja”. Infelizmente vejo que isso é muito comum entre os que se dizem seguidores de Cristo. Se eles realmente fossem discípulos do Cristo, fariam o que ele fez. Estariam comendo com publicanos, pecadores e levando a palavra de Deus com sua própria vida.

Em 1ª João 4:20, lemos que quem diz amar a Deus e não ama seu próximo é um mentiroso. Qual a minha e a sua atitude diante das pessoas que achamos que não têm mais jeito? A parábola contada por Cristo, não relata se o filho mais velho mudou sua atitude, se ele se arrependeu ou não. Mas deixa claro que o filho mais novo errou e arrependeu-se e foi acolhido pelo pai.

Mas há mais um detalhe muito interessante nesse episódio. Lendo esse texto, pode parecer que um dos filhos era o bonzinho e o outro não Seja lá como for, ambos necessitavam do amor do pai. Tanto os publicanos, os pecadores com quem Jesus andava e pregava a palavra, quanto os fariseus que eram os líderes religiosos, os cumpridores da lei, precisavam reconhecer sua condição de pecadores e que necessitam de uma grande mudança que só era possível através de um genuíno arrependimento e de uma vida vivida aos pés da cruz.

Cuidado pois muitas vezes o melhor lugar para não ver Deus é na própria igreja. Se o legalismo cegava os fariseus, a cultura religiosa pode nos distanciar de Deus. E se isso acontecer, nada mais valerá a pena. Busque uma vida com Deus, conheça seu Reino e você verá como Deus quer que você viva a sua vida.

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