Vivi em um tempo que talvez a maioria de vocês não conheceu. Eu morava em um bairro afastado do centro e naquela época os bairros não eram tão desenvolvidos como hoje em dia. Não existiam caixas eletrônicos e muito menos cartões magnéticos. Ou seja, se precisasse de dinheiro teria que ir a uma agência bancária, que só existia no centro da cidade. Tínhamos que andar três quilômetros a pé para chegar ao primeiro ponto de ônibus. Para fazer um simples saque, depósito ou pagar uma conta, perdia-se a manhã toda. Coisas das mais simples, como por exemplo comer um pastel eram uma aventura. Perdíamos muito tempo para essas coisas do dia a dia. A vida era muito diferente da atual.
Isso é uma realidade quase que inimaginável nos dias atuais onde vivemos em um estado de “on line” 24 horas por dia. A tecnologia proporcionou uma agilidade jamais imaginada. Ao invés de perder uma manhã toda para pagar uma conta, como era antigamente, posso fazê-lo deitado tranquilamente em minha cama acessando meu banco pelo celular. Mas por incrível que possa parecer, hoje em dia temos menos tempo que antigamente. Como isso é possível? Não se tem tempo para mais nada. Mas afinal, o que é o tempo?
Tempo é algo que talvez seja difícil de definir. Olhando para o dicionário, podemos encontrar definições tais como: período, duração limitada, duração das coisas, duração de cada compasso, séculos, sucessão de dias, entre outras explicações. Acredito, porém, que o conceito de tempo é tão complexo que talvez não possa ser completamente definido com simples palavras. Vários pensadores clássicos refletiram e tentaram definir o conceito de tempo. Heráclito, Platão, Aristóteles, Hobbes, Newton entre outros gênios, fizeram observações interessantíssimas sobre o tempo, mas cada um a partir de um prisma diferente. Talvez nenhum deles conseguiu uma definição holística do que realmente seja o tempo e como o homem se situa nele. Se nenhum desses grandes pensadores chegou a uma definição absoluta, seria muita presunção de minha parte fazê-lo. Mas acho que podemos refletir um pouco sobre esse tema.
Acho interessante o que Agostinho pensou sobre o tempo. Compartilho de sua ideia. Em seu livro Confissões, ao refletir sobre o que seja o tempo, trouxe muitas idéias interessantes, iluminou muito do que se entende por tempo, mas confessou: “Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito?”
Definir o conceito de tempo realmente é uma tarefa ingrata. Nossa percepção do tempo nos faz entendê-lo como algo linear e o dividimos em três partes: passado, presente e futuro. O passado é um período que já foi vivido e dentro da linearidade do tempo se afasta de nós. Não temos mais como interferir no passado. O presente é aquele instante que se vive. Mas o próprio presente é relativo. Ele é tão curto que talvez nem possa ser mensurado pelo mais preciso dos cronômetros. A última palavra desse texto que você leu, acaba se transformar em passado, pois esse tempo já passou. O presente é extremamente limitado. É limitado, porém é tudo o que temos, pois o passado já foi e futuro ainda não nos pertence. Ele é o período que será vivido depois do presente. Ele não pode ser vivido no presente, mas podemos prepará-lo com as atitudes que temos. Não podemos determinar o futuro, mas podemos influenciá-lo. Futuro é período onde viveremos os fatos, os eventos que se concretizam com o passar de um determinado período de tempo. Isso pode parecer complexo e realmente é. Mas essa é apenas uma das percepções do tempo. Como citado, essa é a percepção linear do tempo. Há outras formas de se entender e viver o tempo, como por exemplo, o “tempo espiral” que é uma das características do povo judeu. Os judeus entendem e se relacionam com o tempo de forma diferente. Na língua hebraica não existem verbos no presente, passado ou futuro. Há apenas dois estados de tempo: o completo e o incompleto. É uma forma muito diferente de se pensar. Isso é um indício que o tempo é uma percepção humana e que não seja absoluto.
Sou incapaz de definir o tempo ou talvez até de compreendê-lo. Mas acredito que mais importante que defini-lo, seja saber como relacionar-se com ele, e como vivê-lo. Um dos conceitos filosóficos de tempo, é que ele não passa, mas é o homem que passar pelo tempo. Isso é interessante, pois não é o tempo que envelhece, mas sim o homem. O homem passa pelo tempo vive em momentos distintos da história, como mencionei no início desse texto, mas parece que a cada dia o homem se perde no labirinto chamado tempo. Mas será que o tempo é um labirinto do qual não encontramos a saída, ou nós é que não sabemos lidar com ele? Como administramos nosso tempo? O que você faz com o tempo que chamamos de presente?
Geralmente nos entregamos à correria da vida e às preocupações do amanhã. E essa correria nos rouba do nosso presente. Como vimos, o passado já foi, o futuro ainda não chegou e jogamos o presente fora sem ao menos vivê-lo. Em uma de suas obras, Augusto Cury afirma que todos os homens morrem, mas poucos realmente vivem. Isso tem tudo a ver em viver o presente de forma errada. No livro de Eclesiastes temos um capítulo dedicado ao tempo. Trata-se do capítulo 3. Vemos que nosso tempo é imperfeito, pois não o compreendemos; e o pior: não compreendemos a Deus. É interessante que você leia todo o capítulo, mas quero citar apenas dois versículos. Versículo 1: “Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu:” Versículo 11: ”Ele (Deus) fez tudo apropriado ao seu tempo. Também pôs no homem o anseio pela eternidade; mesmo assim ele não consegue compreender inteiramente o que Deus fez”.
A mensagem desse capítulo é que há tempo para tudo, mas que o homem não compreende isso. Deus está fora da dimensão do tempo essa tensão entre a temporalidade do homem e a atemporalidade de Deus, colabora para que o homem se afaste do caminho do seu criador. Simplesmente não conseguimos entender Deus em sua totalidade. Mas é nesses momentos que devemos vivenciar nossa fé com o real significado dessa palavra. Quer queiramos ou não, quer acreditemos em Deus ou não, vivemos em um sistema criado por Ele. Talvez você não concorde comigo, mas isso não irá mudar esse fato. Em seu devido tempo veremos que isso é uma realidade e não apenas uma crença. Mas para aqueles que simplesmente optam em não querer crer nisso, a falta de fé será fatal.
Mas aqueles que crêem também não estão imunes a desastres que podem ter um final infeliz. Como temos administrado o tempo que Deus nos dá? Esse capítulo de Eclesiastes afirma que há tempo para tudo. Acredito porém, que todo tempo é tempo para buscar Deus. Parece que na época que não existia cartão magnético, serviços delivery, e a agilidade da internet, conseguia-se mais tempo para Deus e para a própria vida. Essas ferramentas deveriam agilizar a vida e nos proporcionar ainda mais tempo. Em algum momento o homem se perdeu. Se perdeu por não compreender o valor do tempo e o valor da vida. Nos entregamos aos apelos de um pós-modernismo que nos induz a relativizar a tudo e a todos. O homem corre cada vez mais rápido para encontrar sua realização, mas a cada passo que dá, a felicidade fica dois passos mais longe. Investimos nosso tempo da pior forma possível. Acreditamos em mentiras e planejamos nossa vida para poder vivê-las. Você quer um exemplo? Quem de nós nunca disse ou pelo menos ouviu a frase que afirma que tempo é dinheiro? Até concordamos com isso e vivemos dessa forma. Mas você realmente acha que tempo é dinheiro? Particularmente acho que tempo é vida. O tempo que você e eu temos nos proporciona vivermos o agora. Ma vivemos em uma época na qual predomina a mais absurda inversão de valores. Ela é absurda, mas muito sutil. Tão sutil que muitos que talvez nem concordem com os valores que a sociedade impõe, vive esses valores sem ao menos perceber.
O versículo 11 desse capítulo de Eclesiastes afirma que Deus pôs em nosso interior o anseio pela eternidade. Não fomos criados para morrer e por isso queremos ser eternos. Não aceitamos e não entendemos a morte. Mas a grande maioria das pessoas vive para a morte e não para a vida. Vivem na limitação do aqui e agora e cauterizam o anseio pela eternidade. A eternidade é o bem mais precioso que temos. Na eternidade não existe a dimensão do tempo e estaremos libertos de sua limitação. O homem eterno é o plano inicial de Deus. A morte e o tempo são herança da queda da criação.
Como você administra aquilo que chamamos de tempo? Você acha que o tempo passa muito rápido? O talvez que passamos muito rápido pelo tempo? Dependendo da idade ou do contexto de cada um, as respostas a essas perguntas podem ser diferentes. Mas o tempo é implacável. Alguns têm mais que outros. Um ícone da música internacional, aquele que é considerado o maior vocalista de rock de todos os tempos, Freddie Mercury, teve um tempo um tanto quanto curto. Sua vida foi ceifada prematuramente. Sabendo que seu tempo estava terminando aqui nesse plano, ele compôs uma música cuja letra é muito marcante e que aborda exatamente a questão do tempo. Diante da imposição do tempo na vida do homem, temos que conviver com nossa finitude. É exatamente isso que a letra da música “These are the days of our lives”, de Freddie Mercury, mostra. Sugiro que você assista o clip, de preferência legendado, para avaliar o que você está fazendo com o tempo que Deus te deu.
O tempo que Ele nos deu aqui na terra, deve ser vivido intensamente e olhando para o Reino de Deus. Cada segundo vivido aqui ecoará na eternidade. Como a própria Bíblia diz, busque a Deus enquanto é tempo. Para encerrar, quero te fazer mais uma pergunta: como você tem vivido aquilo que chamamos de tempo? Como você está passando pelo tempo?
BIBLIOGRAFIA
Bíblia Sagrada – Nova Tradução na Linguagem de Hoje, Ed. Sociedade Bíblica do Brasil: 2005; São Paulo.
CHAMPLIN, R.N., – Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Folosofia, v. 6; Ed. Hagnos: 2011; São Paulo.
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PANDÚ, Pandiá – Dicionário Global da Língua Portuguesa, Renovada; Rio de Janeiro.
VINE, W.E. – Dicionario Vine, CPAD: 2009; Rio de Janeiro.
