DEUS E SEU RELÓGIO ATRASADO

Quem me conhece sabe muito bem quanto gosto de motocicletas. Essa paixão é antiga. Desde criança gosto das duas rodas. Durante minha adolescência fiquei ansioso em logo conseguir minha moto, mesmo sendo menor de idade e não podendo pilotá-la. Mas meus pais não tinham a mínima condição de comprar uma para mim e mesmo que tivessem, nunca me dariam uma. Como eu não trabalhava esse sonho parecia ser impossível de se realizar. Isso me atormentava, tirava minha paz e eu incomodava as pessoas que estavam ao meu redor. Em certa ocasião minha mãe, para me animar, citou o exemplo do nosso vizinho que era uns 7 anos mais velho que eu e que tinha um emprego onde ganhava muito bem. Ela disse que logo eu estaria concluindo meus estudos e, como nosso vizinho, poderia conseguir um emprego e comprar a tão sonhada moto. Minha resposta mostrou toda minha imaturidade: “Mãe… ele tem 23 anos e já é muito velho pra curtir moto. Com essa idade nem vou mais querer uma. Eu quero agora”. Lembrando dessa passagem, dou risada da minha estupidez; passaram-se uns 35 anos, tenho minhas motos e as curto como nunca. Não sei o que foi maior, se minha imaturidade ou meu imediatismo.

Algumas semanas atrás escrevi um texto sobre o tempo. Citei que vivemos em uma geração do “aqui e agora”. A velocidade dos acontecimentos é muito rápida. Pedimos uma pizza e sem em trinta minutos ela não estiver sobre nossa mesa começamos a reclamar. Talvez o exemplo mais absurdo seja nosso comportamento na internet. Digitamos o site que queremos, e se em cinco segundos depois do “clic” o site ainda não abriu já pensamos em contratar um link de uns 500M, pois o que temos é muito lento e dão dá mais. Assim como há 35 anos um adolescente tolo não queria esperar o tempo certo para ter sua moto, hoje não queremos, e às vezes nem deixamos, que a vida ande em seu ritmo. Sempre achamos que o relógio de Deus está atrasado, pois as coisas ainda não aconteceram na nossa vida. Enquanto nossa impaciência é com motos, pizzas ou internet o problema não é tão grave assim, mas quando nossa impaciência é com questões mais relevantes da vida, ou até mesmo com Deus, aí podemos nos preparar para enfrentar dificuldades maiores para superar isso. Episódios menores, como os exemplos que citei podem parecer menos importantes, mas é uma escola na qual podemos aprender valiosas lições sobre esperar.

Na Bíblia encontramos um relato de um homem que soube esperar. O quinto capítulo do evangelho de João inicia, contando a história de um homem que era enfermo a 38 anos. Uma vez por ano um anjo descia do céu e agitava a água do poço de Betesda, em Jerusalém. A primeira pessoa que se banhasse nas águas desse poço depois do anjo tê-las agitado era curada de todas suas enfermidades. Provavelmente, durante 38 anos, ano após ano, esse homem ia até esse poço, mas como ninguém o ajudava, aparentemente tinha algum problema de locomoção, ele não chegava a tempo ao poço. Não é difícil imaginar a quantidade de pessoas que se aglomeravam ao redor desse poço na espera da cura.  Era praticamente impossível esse homem ser curado, pois a concorrência era acirrada. Imagino que era uma verdadeira briga de foice, e duvido que alguém ajudava seu próximo, pois só o primeiro a chegar era curado. Mas mesmo diante de tantas adversidades, o homem esperava pacientemente sua cura. Ano após ano, lá estava ele a espera do milagre mesmo que este fosse improvável. E um dia o milagre chegou; e chegou de forma surpreendente, pois o próprio Cristo o curou. Ele não precisou ser o primeiro a chegar ao poço. Podemos aprender diversas lições desse texto, e uma delas é aprender a esperar. Será que nós sabemos esperar em Deus?

Talvez uma das coisas mais difíceis na atualidade seja esperar. Somos pressionados de todos os lados e temos a tendência de fazer as coisas acontecerem. É claro que nada cai do céu e temos que fazer nossa parte, mas será que o ritmo louco que vivemos é o melhor para nós? Essa questão torna-se ainda mais relevante quando aplicada na vida de um cristão. Talvez você pergunte por que afirmo isso. É uma questão muito batida que todos sabem, mas uma pessoa que professa a fé cristã, em algum momento da vida, converteu-se, ou seja, colocou sua própria vida sob a vontade de Deus. Sendo assim fica muito fácil perceber que com essa atitude essa pessoa está transferindo os direitos da sua vida para Deus. Mas, infelizmente, parece que no dia a dia tomamos nossa vida das mãos de Deus para vivê-la conforme achamos adequado, e quando achamos oportuno a devolvemos para Deus. Pode parecer um tanto quando radical, mas do universo dos evangélicos que conheço, poucos tem uma vida realmente dedicada a Deus, e que vivem na dependência dele. Muitos dizem que se entregaram a Deus, mas as atitudes das pessoas falam muito mais alto que suas palavras.

Como me criei na igreja, conheço muito jargões que são usados em pregações ou aconselhamentos. Um dos mais famosos, é que quando consultamos Deus, ele tem duas respostas para nos dar: sim ou não, e temos que obedecê-lo. Ok, concordo com isso, mas em partes. Acho que Deus não é um Deus binário que só responde sim ou não. Muitas vezes Deus diz espere.  É nesse momento que sentimos muita dificuldade, pois queremos respostas imediatas. Até mesmo o não pode ser mais facilmente digerido do que o espere. Esperar nunca é fácil, mas tornou-se ainda mais difícil em uma época como a nossa, onde tudo é muito rápido. Parece que nosso relógio corre mais rápido que o de Deus. Só que há um pequeno detalhe. É o relógio de Deus que marca o tempo, e não o nosso. Muitas vezes, diante de uma questão que achamos que Deus não respondeu, não queremos esperar e resolvemos por nós mesmos. Creio que temos essa liberdade e podemos fazer isso, mas nesse caso fica claro que estamos fazendo a nossa vontade e não a vontade de Deus. Esse é um dos exemplos de como tomamos nossa vida das mãos de Deus, e depois a devolvemos.  Só que na maioria das vezes damos com os burros na água e o preço pode ser alto.

A questão da espera envolve pelo menos outras duas áreas da vida cristã: fé e persistência. Para que uma pessoa espere em Deus, ela precisa ter fé e persistência. Algumas vezes, como no caso da passagem bíblica citada, é uma espera de anos. O homem desse episódio tinha fé que seria curado. Ano após ano ele ia ao poço, mesmo diante do improvável. Mas seu olhar não estava no improvável, mas sim no Deus que iria curá-lo. E ele foi curado. Imagino que a cada ano, mesmo tendo poucas esperanças, ele voltava decepcionado quando não era curado. Mas no ano seguinte, sua fé o movia a continuar crendo e sua persistência o levava a ter a atitude de buscar a cura. Fé é saber que quando nossa vida está nas mãos de Deus, tudo o que ele fará será o melhor para nossa vida. Quando conseguimos viver essa verdade, fica mais fácil esperar, pois entendemos que a espera é a vontade de Deus. Mas quando não conseguimos praticar nossa fé, estamos declarando que a espera não é uma resposta de Deus e partimos para soluções próprias. Outras vezes podemos ter fé, mas nos falta a persistência. Acreditamos com o coração, mas desistimos de tentar novamente ou de simplesmente esperar. Parece que não temos mais força para isso.  Pode parecer um tanto quanto contraditório ter fé e desistir, mas creio que isso possa acontecer. Eu mesmo já passei por situações onde me sentia assim. Talvez a persistência seja a forma prática de exercer nossa fé. Parece que ambas estão entrelaçadas. Por isso que precisamos de persistência. E se há algo que demanda persistência é a espera.

Mas, como já citei, parece que vivemos num tempo no qual desaprendemos, ou talvez nunca tenhamos aprendido, a esperar. Como se aprende a esperar? Da mesma forma que se aprende as demais coisas na vida; fazendo. A única forma de aprender a esperar, é esperando. A vida nos dá várias oportunidades de aprendizado e para nosso próprio bem, é importante que estejamos dispostos a aprender. Quando não temos o aproveitamento exigido nos nossos estudos, reprovamos e temos que repetir a matéria. Se não aprendermos na segunda vez, teremos que enfrentar tudo pela terceira vez. O aprendizado na vida é semelhante a isso. Se desperdiçamos uma oportunidade de aprendizado, muito provavelmente tenhamos que passar novamente por algo semelhante para aprender a reagir da forma correta. Se desistirmos novamente, o ciclo se repete indefinidamente até que aprendamos ou até nos darmos muito mal. Além de não aprender a lição, temos que enfrentar tudo de novo. É como ficar anos, anos, e mais anos fazendo a mesma matéria sem conseguir a aprovação; andamos, andamos e não saímos do lugar.  Mas o aprendizado da vida pode ser mais fácil do que na vida acadêmica. Nos estudos, eventualmente podemos ser confrontados com conhecimentos que simplesmente estão além da nossa capacidade de entendimento. Por exemplo: sinceramente duvido que eu conseguiria me formar em física quântica. Mas no caso das lições que a vida nos traz, no nosso caso a espera, basta que tenhamos disposição e atitude. Pode demorar um pouco, pode ser difícil, mas conseguimos.

Apesar de poder ser um período extremamente penoso, a espera pode ser de grande valia. Durante o silêncio de Deus podemos aprender valiosas lições. Quando achamos que Deus se calou e não podemos fazer mais nada além de esperar, podemos ser confrontados com nós mesmos. O silêncio de Deus durante nossa espera pode nos ensinar lições que não aprenderíamos se a resposta dele fosse imediata. Se tivermos coragem de encarar a espera e o silêncio, descobriremos muito a respeito de Deus, da vida e de nós mesmos. Provavelmente o homem que esperou pela cura durante esses 38 anos, cresceu muito nesses anos todos.

Como cristãos, nosso desafio é nadar contra a maré que leva a sociedade para onde bem quer. Somos constantemente bombardeados com conceitos que podem parecer inofensivos, mas que podem roubar nossa intimidade com Deus. E com certeza, o imediatismo e o fato de não sabermos esperar o tempo de Deus, é um dos principais fatores que nos roubam dele. Aprender a aceitar o sim, ou não e o espere como respostas de Deus, podem, ao invés de ansiedade, nos trazer paz. Respeitar e viver o tempo de Deus é um dos indícios que realmente entregamos nossa vida nas mãos de Deus. E as mãos dele são simplesmente o melhor lugar onde eu e você podemos estar.

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