SOMOS UM EM CRISTO?

Minha esposa tem cerca de trinta anos de experiência no trabalho na saúde pública. Com  um currículo invejável, ela passou praticamente  vinte anos coordenando equipes de trabalho. Ela esteve à frente de diversas equipes e uma característica de seu trabalho é conseguir aglutinar a equipe, que acaba trabalhando como um verdadeiro time. Havia uma unidade de saúde que apresentava os piores resultados de toda a regional a qual pertencia. Minha esposa foi convidada a assumir essa equipe e aceitou o desafio. Cerca de quatro anos mais tarde, quando foi remanejada para outra unidade, a entregou como a de melhores resultados entre as doze unidades que faziam parte daquela regional.

Quando assumiu o desafio, a equipe estava totalmente desunida e havia muita disputa entre os funcionários. Todos estavam lutando sozinhos, tentando trabalhar isolados, buscando conquistar seu espaço. Isso gerava muita disputa entre todos e um ambiente extremamente competitivo. O ambiente era permeado de brigas, inveja, fofocas e um tentando derrubar o outro. Era o famoso “cada um por si e Deus por todos”. Ela começou com um trabalho individual, melhorando a auto estima de cada um, a aceitação mútua e aos poucos foi promovendo a união da equipe. Os integrantes da equipe começaram a se ver como parceiros, e não como rivais, e com o passar o tempo o ambiente tornou-se amigável o que resultou em qualidade de trabalho muito melhor.  Acho essa habilidade a minha esposa inspiradora.

Olhando para as igrejas lembro do ambiente que minha esposa encontrou ao chegar àquela unidade de saúde. São pessoas que se encontram nos cultos, sentam-se lado a lado, levantam suas mãos para louvar ao Deus, muitas vezes até mostram muita reverência, que até dizem que se amam, mas não querem se envolver com a pessoa que está a seu lado. Seu relacionamento é meramente religioso e não pessoal. Conheço pessoas de diversas igrejas e praticamente todas elas dizem que a realidade em sua comunidade é exatamente essa. Boa parte dessas pessoas se sente sozinha e que não tem verdadeiros amigos e quando precisa de ajuda não tem a quem recorrer. Parece que a igreja está atendendo ao chamado do mundo, que chama o homem para uma vida egoísta; o chama para conquistar bens que satisfaçam tudo aquilo que deseja, pois o que  importa é sentir-se bem. O mundo os chama para conquista muito dinheiro para conseguir respeito. Só que esse respeito é pelo que tem e não por aquilo que é. Isso pode ser considerado respeito? Relacionamentos são cada vez menos relevantes, e as “coisas” são muito mais importantes que pessoas. Cada vez que se conquista uma satisfação, surgem novas necessidades, e lá vai o homem correndo atrás do vento. Esse é o chamado do mundo. E é só olharmos a situação do homem para vermos para onde esse chamado o leva.  Infelizmente essa é a realidade vivida por muitos cristãos. Como já citei, essa é uma percepção pessoal, e também o testemunho de muitos conhecidos meus.

Ao que parece, a igreja está tomando a forma do mundo e não consegue mais desempenhar seu papel na sociedade. Relacionamentos profundos, baseados nos princípios de Deus são cada vez mais raros. Um encontro agradável entre amigos foi sendo substituído por meros telefonemas, e agora nem ao mesmo se quer perder tempo ouvindo a voz do “amigo”; agora são só palavras trocadas nas redes sociais. Não tem mais o olho no olho, não se ouve mais a voz dos irmãos; só frias palavras trocadas em gélidas redes sociais que promovem a fragmentação da igreja, que aos poucos se torna uma igreja virtual. Pastores e líderes estão mais preocupados com a saúde da instituição chamada igreja, do que com a saúde das pessoas que são a verdadeira igreja. Do outro lado, pessoas buscam pastores que as levem para caminhos que elas mesmas querem, do que os verdadeiros pastores que mostrem os caminhos indicados por Deus. Da mesma forma que o homem do mundo corre atrás do vento, a igreja corre através do tempo brincando de ser igreja.  Essa percepção é muito negativa? Talvez até possa ser, pois às vezes nossos olhos podem nos trair. Mas o que não nos trai é olhar para a marca que a igreja está deixando na sociedade brasileira, que não é muito diferente daquilo que meus olhos, talvez exagerados, vêem.

Mas quando olho para o capítulo 4 da carta aos Efésios, vejo o que a igreja deve ser; vejo o sonho de Deus para cada um de nós e aquilo que, como igreja, podemos e devemos ser. O apóstolo nos chama a vivermos em unidade, baseados naquele que é a razão da nossa existência, Cristo. A mensagem desse capítulo é a unidade do povo de Deus. O que nos une deve ser muito maior e mais relevante do que o que nos tenta separar. A única forma da igreja sobreviver e fazer seu papel na face da terra, é manter-se unida. Não unida por dogmas ou liturgias, mas sim pelo amor. A única forma que eu e você temos de viver uma vida que Deus tem para nós, é mantermos uma vida em comum, praticando os “uns aos outros”.  Viver em unidade é algo que vai radicalmente contra aquilo que é proposto pela modelo dominante. Mas o resultado também é totalmente oposto daquilo que o homem tem experimentado, vivendo em seus próprios caminhos. Aquela corrida atrás do vento é substituída por uma caminhada firme em direção a uma realidade muito maior do que a mente humana consegue sonhar.

Mas é necessário mais do que esperar uma passe de mágica, para que tenhamos uma vida em unidade. No escrito aos Efésios, Paulo nos mostra atitudes práticas necessárias para uma vida comum. Ele salienta que viver em comunidade não é algo fácil e que demanda um grande esforço. Devemos ser completamente humildes. Humildade é uma atitude essencial para uma vida em comum com outras pessoas, de forma saudável. Humildade é uma atitude que só os fortes tem e que é essencial para a própria vida cristã. Afinal, é a partir de uma postura humilde que reconhecemos nossa situação diante de Deus. Através da humildade é que percebemos nossa dependência de Deus. Se há algo o que tenho dificuldade em aceitar, é um cristão ser arrogante e manter sua atitude de arrogância. Será que uma pessoa que tem essa atitude e diante do seu semelhante alguma vez realmente se humilhou diante de Deus? Como pode haver alguém que é humilde diante de Deus e arrogante diante dos homens? Se realmente queremos viver como igreja, não podemos aceitar a arrogância ou falta de humildade em nossa vida. Paulo também nos chama para sermos pacientes, dóceis e para suportarmos uns aos outros. Dar suporte demanda uma atitude de se doar. É dar parte de seu tempo e até de si mesmo para amparar aquele que não consegue mais caminhar com suas próprias forças. É gastar tempo estando a seu lado, ouvir, compreender, abraçar e se necessário carregar até que suas forças sejam restabelecidas. A questão é: estamos dispostos a ter essas atitudes? Temos a tendência de esperar que os outros promovam a mudança e a partir disso vestimos a camisa, mas não vemos essa dinâmica em lugar algum da Bíblia. Somos convocados a agir. Estamos dispostos a dar o primeiro passo e continuar a caminhada independente do que os outros façam?

Um detalhe interessante que Paulo aborda acerca da unidade da igreja, é que ela não é uniforme. Trata-se de unidade e não uniformidade. Os cristãos partilham de muitos elementos em comum, objetivos e princípios iguais, mas Deus nos criou diferentes uns dos outros. Há diversos temperamentos, personalidades, entre outras características, o que pode enriquecer muito a vida em comunidade. Mas a falta de aceitação mútua nos separa dos nossos irmãos. Conheço líderes, dos quais ouvi dizeres como: “Eu me recuso a trabalhar com pessoas que tenham determinado temperamento”. Em outras palavras, esse “líder” simplesmente não aceita o seu semelhante da forma que Deus o criou. Ou seja, não aceita a criação de Deus e essa atitude evidencia uma total falta de habilidade, ou talvez até mesmo de vontade, de uma vida em comunidade. Conviver com a diversidade é muito enriquecedor, mas desde que haja humildade para a aceitação daqueles que não são como gostaríamos que fossem. Não aceitar a pessoa como ela é vai contra o mandamento mais importante; não aceitar a pessoa como ela é, é não amar.

A vida em unidade não é algo facultativo, mas sim imperativo. Como filhos de Deus não somos perfeitos, mas o mínimo que devemos ter é atitude. Ser filho de Deus é reconhecer as falhas e não ficar passivo diante das limitações esperando a consumação da redenção. Ser filho de Deus é ter atitude e lutar arduamente contra a própria imperfeição. É crucificar o ego e deixar que Cristo desenvolva seu caráter na nossa vida. Não espero encontrar a perfeição em ninguém. Mas também não consigo enxergar o caráter de Cristo na vida de pessoas arrogantes e que não são capazes de abrir mão de si mesmo, nem sequer de suas opiniões, para promover uma vida de unidade entre os irmãos. A unidade que Deus quer que seja vivida em sua igreja é um privilégio do qual podemos desfrutar. Se nos recusamos a viver essa realidade, estamos afirmando para Deus que também não queremos essa unidade na vida eterna. Não desenvolver uma a unidade da igreja é dar as costas ao paraíso.

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