Fui criado em berço cristão e isso é um privilégio em diversos aspectos. Mas os tempos eram outros e me foi apresentado o “Deus juiz” e não o “Deus pai”. Isso trouxe marcas que irão me acompanhar para o resto da vida. Algumas dessas marcas são boas enquanto que outras nem tanto. Lembro muito bem que, quando criança, antes da semana de provas eu era o “melhor” cristão do planeta, afinal se eu me comportasse, Deus me ajudaria nas provas; caso contrário, ele me castigaria por minha desobediência. Olho para trás e dou risada disso, mas essa foi uma das heranças do “Deus juiz”. De um lado ouvimos que Deus é amor e de outro que ele é justiça. Afinal, como podemos entender essa questão?
Primeiramente devemos entender que Deus é o único ser perfeito no universo. Ele é pleno em todos os seus aspectos. Ele possui diversos atributos: Deus é amor, é misericordioso, é justo, é onipotente, onipresente entre outros inúmeros atributos. Nós, homens, também possuímos alguns desses atributos. Por exemplo: temos a capacidade de amar, de ser misericordiosos, temos senso de justiça e por aí vai. Mas é claro que somos limitados pela imperfeição humana e também não termos a grandiosidade de Deus. Dessa forma, nossos atributos são corrompidos por nossa imperfeição e pela limitação que temos, e o amor, a justiça humana, assim como os demais atributos, são muito aquém da realidade divina.
Um pensamento que é comum encontrarmos nas igrejas, é que no Antigo Testamento Deus é juiz enquanto que no Novo Testamento ele é amor e graça. Será que isso é verdade? O que ocorre, é que Deus se revela da forma que o homem possa compreendê-lo, o que pode mudar de uma época para outra. Mas Deus é o mesmo tanto no Antigo assim como no Novo Testamento. No Antigo ele era juiz, mas também amor e graça, assim como no Novo Testamento. Mas parece que hoje a mensagem dominante é o Deus amor, e a sua justiça simplesmente é esquecida ou até mesmo é desconhecida. O que percebo é que o Deus de amor, o “paizinho” é pregado cada vez mais nas igrejas. Isso não está errado, pois ele mesmo se apresenta como pai, mas é relativamente raro ouvirmos uma mensagem que denuncia o pecado e propõe o arrependimento e mudança de vida. Geralmente a pregação do paizinho, da graça exageradamente enfatizada, em detrimento do juízo, gera cristãos descomprometidos com o reino de Deus. Não acho que devemos pregar o juízo de forma a assustar as pessoas e fazer com que crianças sejam mais comportadas nas semanas de prova, mas devemos pregá-lo como ele é. O fato é que vejo muitos cristãos que não tem o mínimo compromisso com a santidade. Provavelmente em poucos momentos da história vemos uma geração com tão pouca reverência e temor a Deus como a atual. Durante os cultos, vejo pessoas batendo um belo papo, assistindo jogos de futebol no celular, acessando facebook e até mesmo jogando. É assim que estamos cultuando ao nosso Deus? Sinceramente acho que se esse é o nosso comportamento durante o culto ao Senhor, é melhor que fiquemos em casa. Mas afinal, Deus não é Pai e ele não nos aceita assim, e quer que nos sintamos bem na sua casa?
Geralmente quando o ser humano vive em um extremo e percebe isso, ele não tende ir para o ponto de equilíbrio, mas sim para o extremo oposto. Por exemplo: se uma pessoa é dada a muita bebida alcoólica, ao se converter provavelmente ela vai achar que seja pecado degustar uma taça de vinho, pois álcool é pecado. Somos “oito ou oitenta”, e encontrar o equilíbrio nem sempre é algo fácil. Pode não ser fácil, mas é o grande segredo para termos uma vida saudável em todas as áreas da vida, inclusive na espiritual. No assunto que estamos abordando, acontece a mesma coisa. Muitos cristãos vivem um cristianismo legalista, muito parecido com o próprio judaísmo, enquanto que no outro extremo, encontramos aqueles que relativizam muito os princípios de Cristo. O primeiro caso geralmente se tem o entendimento de Deus como o juiz, enquanto que no segundo como paizinho, o Deus do amor que nos entende e nos aceita de qualquer forma. Ambos os casos estão aquém de quem Deus realmente é. O ponto de equilíbrio é entendermos que Deus é plenamente juízo mas também plenamente amor.
Nos relatos do Antigo Testamento, percebemos que o juízo de Deus realmente pesava mais sobre seu povo do que no Novo Testamento. Há várias passagens que relatam a desobediência do povo, que é severamente punido, algumas vezes com a própria vida. Temos certa dificuldade de enxergar um Deus amoroso em episódios como esses, mas isso não significa que Deus não tratava seu povo com amor. A vida de Davi é um dos exemplos de como Deus agia com graça. Davi cometeu muito erros, sendo alguns deles muito graves. Naquela época o adultério era punido com pena de morte. Davi adulterou, mas diante de seu sincero arrependimento, além de perdoar o pecado, Deus poupou sua vida. Esse é apenas um dos inúmeros exemplos do Deus amoroso e gracioso no Antigo Testamento. Ou seja, vemos que no Antigo Testamento Deus agia com justiça, mas também com amor e graça.
No Novo Testamento, onde muitos entendem que não há lugar para o juízo mas somente para a graça, também vemos esses dois aspectos de Deus. Na mensagem de Cristo, o “olho por olho, dente por dente” foi substituído pelo “se alguém lhe bater, dê-lhe o outro lado da face” e pelo amor ao inimigo. A essência da mensagem de Jesus é o amor. Amar Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O amor de Deus é demonstrado da forma mais visível, quando ele enviou seu filho para viver entre os homens, morrer de forma muito sofrida com o intuito de salvar a humanidade. Esse é o maior gesto de amor e graça da parte de Deus. Muitas vezes isso nos faz esquecer do juízo de Deus. No quinto capítulo do livro de Atos encontramos o relato de Ananias e Safira. Trata-se de um casal de cristãos que venderam sua propriedade, ficaram com parte do dinheiro da venda e entregaram o restante aos apóstolos dizendo que se tratava de todo o dinheiro arrecadado na venda. Eles não estavam errados em ficar com parte do dinheiro e nem não eram obrigados a dar o dinheiro para os apóstolos. A questão é que eles mentiram para a igreja; mentiram para Deus. Pedro recebeu a revelação do Espírito Santo do que estava acontecendo, os confrontou, e ambos, Ananias e Safira, caíram mortos. Aqui vemos o juízo de Deus pesando na vida de um casal de cristãos. Sinceramente não sei por que Deus agiu assim se normalmente não fazia mais isso depois da vinda de Cristo, mas particularmente acredito que foi uma forma de Deus dar um recado que ele é o mesmo. Não é porque vivemos na era da graça que podemos brincar com as coisas de Deus.
Deus continua sendo plenamente amor e plenamente justiça. Gosto muito do livro de Gálatas e no capítulo 5 vemos algo interessante. Cristo pagou o preço para dar liberdade aos que o seguem. Ele liberta do peso da lei, do peso do pecado e agora todo aquele que aceita a Cristo como o Messias ganha a liberdade em Cristo. Deus vem de encontro ao homem pagando um preço inimaginável para tê-lo a seu lado. Algo que nem sempre percebemos, é que Jesus fez todo o sacrifício para que Deus nos tivesse a seu lado. Isso é muito mais profundo do que somente livrar-nos do inferno. Estamos libertos do jugo da lei e também do jugo do pecado. Esse é o Deus de amor se manifestando a seu povo. Mas no mesmo capítulo de Gálatas, algum versículo adiante já depois do relato sobre a liberdade que Cristo proporciona aos remidos vemos a advertência àqueles que rejeitam a Deus, praticando o que é chamado de obras da carne. Ali o juízo de Deus está claro quando lemos que todos que praticam as obras da carne não herdarão o reino de Deus. Estarão separados de Deus por toda eternidade. Em Mateus 7 vemos que muitos dos que profetizaram em nome de Deus, realizaram milagres e até expulsaram demônios, não tem parte com Deus por praticarem o mal. Esses são apenas alguns dos exemplos do juízo de Deus relatados no Novo Testamento. Acho que é algo tão evidente que nem precisamos citar ou estudar o Apocalipse onde há o relato do juízo final.
No Brasil há o senso comum de que Deus é amor, ele é Pai e como tal ele nunca condenaria ninguém. Essa é uma máxima da teologia do universalismo, ou seja, o amor de Deus é tão grande que no final ele salvará a todos. Lendo o evangelho todo, não consigo crer dessa forma. O amor de Deus é algo muito marcante, mas ele não omite o juízo. Da mesma forma o juízo divino também não anula seu amor. Como A realidade de Deus é muito além da nossa, talvez não conseguimos compreender esse conceito em sua totalidade, mas devemos ter uma vida de equilíbrio. Da mesma forma que os pais amam seus filhos e quando necessário eles os disciplinam, o que é um juízo, Deus ama a todos os homens, mas as atitudes destes não passarão desapercebidas. Acredito que todo aquele que entende esse equilibro entre o amor e o juízo de Deus, refletem isso na forma em que vive e sabe que suas atitudes e a própria vida serão julgadas pela perfeita justiça do amor e da graça de Deus.
