A algum tempo atrás escrevi um texto intitulado “Desenhando o próprio caminho”, onde abordei a questão da autonomia do homem, que muitas vezes o leva a viver longe do caminho de Deus. O texto de hoje relaciona-se com aquele, pois também trata da questão da autonomia do homem, mas sob outra perspectiva. Se naquele caso a questão era deixar de fazer a vontade de Deus para fazer a própria vontade, o que quero abordar hoje é quando tentamos fazer a vontade de Deus, mas da nossa forma e não da forma dele. Isso pode soar um tanto quanto contraditório, mas é algo muito comum.
Para ilustrar isso, quero citar um episódio da vida de Abraão. Um dos mais importantes personagens da história, patriarca de três das maiores religiões do mundo, Abraão recebeu uma promessa de Deus que teria um filho, e que sua descendência seria tão numerosa como as estrelas que vemos no céu. Tanto Abraão como sua esposa, Sarai, já eram de idade avançada e, a seus olhos, isso tornava a promessa de Deus mais improvável. Já haviam passado quase 11 anos desde o chamado de Abraão e a promessa de uma descendência e Sarai simplesmente não engravidava. Foi aí que ela resolveu fazer a parte de Deus. A promessa era de que Abraão teria descendentes e Sarai propôs que ele tivesse um filho com sua serva, a egípcia Hagar. Abraão concordou, eles tiveram um filho, Ismael, e isso provocou uma grande confusão. Ismael era filho de Abraão, mas não era o filho prometido por Deus. Não era o filho que traria a descendência prometida por Jeová. Mais tarde Sarai engravidou e deu luz a Isaque, o filho prometido de Deus e assim se dá início a história do povo hebreu, que mais tarde revelaria o messias. Hagar e seu filho Ismael foram expulsos e por compaixão e providência divina sobreviveram no deserto, e Ismael deu origem ao povo árabe. Ou seja, Abraão deu origem ao povo hebreu e árabe.
Para entender melhor toda essa questão, seria interessante que você lesse Gênesis capítulo 12 ao 21. Olhando apenas para o que escrevi, talvez não seja possível mensurar o impacto que a atitude imprudente de Sarai, com a concordância de Abraão, teve na história. Ela acreditava na promessa de Deus, mas como a seu ver Ele não estava cumprindo sua palavra, ela foi dar uma mãozinha ao criador, e providenciou um artifício para que Abraão tivesse sua descendência. Não é preciso estar informado diariamente para que saibamos dos constantes conflitos no oriente médio. Literalmente desde que me conheço por gente, há conflitos nessa região; é o mundo árabe contra Israel. As duas descendências de Abraão em constante conflito. Não sou determinista e não vou afirmar que isso seja uma maldição divina por causa da atitude de Sarai e Abraão. Mas com certeza é uma conseqüência do fato que agiram por conta própria, sem esperar a ação de Deus. Se Sarai não tivesse tentado fazer a parte de Deus, Ismael não teria nascido e não teríamos os conflitos no oriente médio. Talvez até tivéssemos outros, mas fica claro que esse, que é interminável, é conseqüência da história de Abraão e Sarai.
Da mesma forma que Sarai se intrometeu na ação de Deus, muitas vezes nós também o fazemos achando que estamos fazendo a vontade de Deus, ou até mesmo um favor a ele. Isso é muito comum na vida da igreja, onde vemos pessoas tendo atitudes impensadas principalmente nos ministérios. Sei que a vida em comunidade não é uma ciência exata, que existem dificuldades e que nem sempre acertamos. Mas tenho certeza absoluta que quando a vontade de Deus é feita, mesmo diante das dificuldades, o trabalho tem bom resultado. Quando seguidamente as coisas não funcionam, quando se luta, luta, luta desesperadamente e a coisa simplesmente não sai do lugar, é bom que se avalie a situação. Conheço igrejas que tentam, tentam, e a coisa simplesmente não vai. Parece que plantaram uma árvore de fracasso e diariamente comem de seu fruto. Também conheci bem duas que simplesmente fecharam as portas. Como isso é possível? Será que é da vontade de Deus que uma igreja feche suas portas? Em minha opinião isso só acontece quando a vontade de Deus não está sendo feita e quando esse grupo de pessoas se perdeu em algum momento de sua história. Vemos um exemplo disso em Apocalipse 2, quando a igreja de Éfeso é advertida, sob o risco de deixar de ser igreja. Quando fazemos a obra por nós mesmos, o risco de sairmos da vontade de Deus é muito grande. O mais complicado, é que muitas vezes as pessoas simplesmente vão fazendo as coisas de forma natural, por si mesmas, talvez por ativismo e nem percebem que estão fazendo conforme a sua vontade e não a de Deus. A intenção é boa, mas o resultado pode ser catastrófico, assim como foi para Abraão e Sarai.
Mas não é somente no trabalho ministerial que podemos tentar fazer o papel de Deus. Dependendo da situação, corremos o risco de não esperarmos a ação de Deus, e com nossa ansiedade achamos que nossos caminhos são os mesmos dele. Nossa emoções podem nos trair facilmente, e isso é ainda mais evidente nos povos latinos que são mais emotivos. Quantas vezes ouço pessoas dizerem “Deus me falou”, e depois dá tudo errado. Conheço muitos casos onde supostamente Deus falou algo para as pessoas, elas seguiram essa “voz” e deram com os burros na água. E aí, o que dizer? Sendo muito razoável, acho que é muito mais provável que a pessoa fez sua própria vontade do que Deus ter mudado de idéia. Mas afinal, por que isso acontece?
Acredito que o principal motivo seja que as pessoas não conseguem distinguir a voz de Deus. A Bíblia diz que a ovelha reconhece a voz do pastor, mas isso só acontece quando se tem intimidade com Deus. Há um ditado que diz que só se conhece uma pessoa quando se come um saco de sal com ela. Não conhecemos uma pessoa se não andamos junto com ela e com Deus não é diferente. Acho que a grande maioria dos problemas das pessoas tem como origem a falta de intimidade com Deus. É claro que somos propensos a errar, e nos enganarmos em algumas questões, mas com certeza, se tivermos vida com Deus, a vida se desenrola de forma natural. Não significa que não teremos mais problemas e que nunca mais erraremos, mas o risco de errar diminui significativamente. Quando temos um relacionamento raso com Deus e na realidade ele não é prioridade em nossa vida, temos a tendência de viver de aparências, e nossas decisões são mais influenciadas por nossa vontade do que pela de Deus. Nessas situações a vida com Deus talvez seja mais religiosidade do que intimidade com ele. E é justamente aí que tomamos decisões erradas, pois simplesmente estamos distantes de Deus e não ouvimos ou não reconhecemos sua voz. Para que a ovelha reconheça a voz do pastor, ela precisa conhecer a voz de seu pastor.
Como em quase todas as questões na vida, a solução do problema levantado é a intimidade com Deus. Acredito que a maioria dos cristãos que tomam decisões erradas, realmente acham que a decisão foi uma resposta de Deus. As pessoas vivem uma vida rasa com Deus, se acostumam e esse é o padrão de espiritualidade. Enquanto não vivermos uma vida integral para, e com Deus, estaremos vivendo nossa vida, achando que é a vida que Deus quer que vivamos. Nós é que estaremos dando as respostas às próprias perguntas, fazendo o papel que Deus deveria fazer. Olhando mais para Deus e menos para nós mesmos, não tentaremos fazer sua parte e o deixaremos ser quem ele realmente é.
