Baseada no senso comum, a ideia de uma pessoa ser religiosa é positiva, e descrever alguém como sendo religioso soa como um elogio. Mas será que essa ideia é verdadeira ou se trata apenas de mais um conceito que tem o senso comum como fundamento?
Às vezes é difícil separar a ideia de Deus da religião,e é quase impossível conceber a existência de Deus sem lembrar da religião. A própria definição da palavra religião remete a isso, pois uma das definições de religião é:
“comportamento moral e intelectual que é resultado dessa crença.
Reunião dos princípios, crenças e/ou rituais particulares a um grupo social, determinado de acordo com certos parâmetros, concebidos a partir do pensamento de uma divindade e de sua relação com o indivíduo”.
Considerando essa definição, realmente não há como dissociar religião e Deus. mas na prática isso pode ser possível. Em uma determinada ocasião, meu amigo e autor desse blog, Guilherme, disse algo que chamou minha atenção. Ele disse que, em sua opinião, o ativismo não é benéfico, pois na grande maioria dos casos, o foco passa a ser o movimento e não a causa. Achei isso muito interessante, refleti sobre isso e sou obrigado a concordar. É claro que não podemos generalizar, mas na maioria dos casos é exatamente isso que ocorre. É comum que o ativismo leva a um extremo, e o movimento que visa o bem de determinada causa acaba prejudicando a mesma. Como não podia deixar de ser, algo semelhando pode ocorrer com a religião, que, em alguns casos, passa a ser mais importante que seu foco que é religar o homem a Deus. Particularmente acho que é nesses casos que podemos afirmar que está ocorrendo a religiosidade. Não sei se essa é a definição técnica do termo, mas pessoalmente entendo assim, o que me leva a ter uma impressão negativa da palavra religiosidade.
Sempre falo que a essência do homem é a mesma em qualquer lugar do mundo e em qualquer época da história. Da mesma forma que, lendo a Bíblia, vemos o povo judeu vivendo mais em função da religião do que da vontade de Jeová, atualmente também vemos muitos cristãos defendendo com unhas e dentes a igreja ou a denominação a qual pertencem, e quando o assunto é Deus, sua conduta é mais “light”. Quando isso ocorre, acontece algo que pode parecer contraditório, que é o homem afastar-se de Deus através da religião. É contraditório, pode parecer incoerente, mas isso acontece. Vejamos um trecho da Bíblia. O profeta Malaquias teve seu ministério após o período do exílio babilônico. Parte do povo hebreu que foi levado cativo à Babilônia voltou para Jerusalém para reconstruir a cidade e a própria nação. A cidade estava em ruínas, e o próprio templo, o maior símbolo religioso dos judeus da época, havia sido derrubado, e depois de muita enrolação do povo judeu, ele foi novamente reedificado. A reconstrução do templo foi interrompida durante muitos anos, pois o povo passou a investir na sua própria vida deixando a casa de Deus de lado. Isso mostra que, além de deixar o templo em segundo plano, o próprio Deus também não era prioridade na vida do povo. Mas, paradoxalmente, os ritos do judaísmo eram realizados “religiosamente”. Ou seja, vivia-se a religião sem buscar a Deus. O que será que Deus achava disso? Vamos dar uma olhadinha em Malaquias 1,6-10. Lendo esse fragmento do livro podemos ter idéia de como Deus vê o homem que vive sua religião sem ter vida com ele.
“O filho honra seu pai, e o servo o seu senhor. Se eu sou pai, onde está a honra que me é devida? Se eu sou senhor, onde está o temor que me devem? “pergunta o Senhor dos Exércitos a vocês, sacerdotes.” São vocês que desprezam o meu nome!” Mas vocês perguntam: “De que maneira temos desprezado o teu nome?” Trazendo comida impura ao meu altar! “E mesmo assim ainda perguntam”: “De que maneira te desonramos”. Ao dizerem que a mesa do Senhor é desprezível. “Na hora de trazerem animais cegos para sacrificar, vocês não vêem mal algum. Na hora de trazerem animais aleijados e doentes como oferta, também não vêem mal algum. Tentem oferecê-los de presente ao governador! Será que ele se agradará de vocês? Será que os atenderá?” pergunta o Senhor dos Exércitos. “E agora, sacerdotes, tentem apaziguar a Deus para que tenha compaixão de nós! Será que com esse tipo de oferta ele os atenderá?”, pergunta o Senhor dos Exércitos.
“Ah, se um de vocês fechasse as portas do templo. Assim ao menos não acenderiam o fogo do meu altar inutilmente. Não tenho prazer em vocês”, diz o Senhor dos Exércitos, “e não aceitarei as suas ofertas”.
Talvez esse texto seja um dos mais duros de toda a Bíblia. Deus formou o povo judeu para revelar-se aos demais povos do mundo, e diz para esse povo que não vai aceitar o sacrifício deles pois estão longe dele. E diz mais; seria melhor que fechassem as portas do templo, que nem entrassem lá para não trazer sacrifício inútil a Deus. São palavras muito duras da parte de Deus, mas que expressam o que ele acha da prática da religião quando o coração do homem está longe de Deus. Alguns podem argumentar afirmando que se trata de um texto do Antigo Testamento, e que estamos no tempo da graça e que as coisas são diferentes. Em alguns aspectos isso pode ser verdade, mas aqui não estamos diante de usos e costumes ou de questões cerimoniais que se aplicam a determinadas situações. O que está em jogo é a postura do homem diante do seu criador e isso é atemporal. Caso alguém ainda não se convença, é interessante que atente para o que encontramos em Apocalipse. Deus traz uma exortação à igreja de Éfeso. Tratava-se de uma igreja muito atuante a qual podemos dizer que era “séria”. Trabalhava de forma árdua, perseverava, não aceitava o mal, sabia distinguir os falsos profetas, que não tinham vez no seu meio, suportava sofrimento em nome de Jesus e não desfalecia. Ou seja, uma igreja “cheia de moral”; mas atente ao que vem a seguir: “Contra você, porém, tenho isto; você abandonou o seu primeiro amor”. Um pouco adiante Deus pede para que a igreja veja onde caiu, caso contrário tirará o seu candelabro da igreja. O amor, ou primeiro amor, é o principal mandamento de Deus. Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo resume toda a lei, e quando isso não foi uma prática e quando os olhos não estavam mais totalmente em Deus, a igreja de Éfeso corria o risco de deixar de ser igreja. Temos que lembrar que trata-se de uma afirmação do próprio Deus.
Olhando para a igreja evangélica contemporânea, vemos templos lotados, com muita música, ministérios de louvor que dão verdadeiros shows, alguns até cobram muito para ”louvar” em outras igrejas. Vemos festa, alegria, pessoas chorando e se emocionando, mas será que o coração delas está em Deus? Será que o que as leva aos cultos é o desejo e até mesmo a necessidade de cultuar Deus, de ter um momento especial de entrega e ter uma verdadeira comunhão com a Igreja de Cristo, ou se vai aos cultos para receber alguma bênção ou ter um tempo legal com amigos? Muitas igrejas não passam de meros movimentos religiosos, que causam certa agitação na vida das pessoas, mas que são incapazes de impactar a sociedade, transformando-a através do evangelho. Marcam pela grandiosidade do trabalho, dos templos majestosos e da quantidade de pessoas que lá vão, mas o candelabro já foi jogado fora a muito tempo e eles nem percebem isso. Cuidado quando a vida de uma igreja é baseada na promoção de programações e eventos. Eventos são importantes, mas não podem ser a base da igreja.
Olhando para esse aspecto da igreja, nosso coração se enche de crítica, e muitas vezes com razão. Mas não podemos esquecer que você e eu somos parte dessa igreja, e sem perceber podemos estar repetindo essa atitude. Como sempre falo aqui, a correria e a dinâmica da vida nos engolem e muitas vezes não temos mais tempo para Deus. Será que você e eu investimos ao menos 1 hora por dia para um tempo de intimidade com Deus? 1 hora é muito? Será então que temos 30 minutos por dia para Deus? Que tipo de vida com Deus estamos tendo se não passamos 30 minutinhos com Deus? Sempre menciono a vida devocional, pois ela é o melhor termômetro para verificar como está nossa vida com Deus. Se a igreja está nessa situação, é porque boa parte de seus membros estão assim. Será que nós estamos nessa lista?
Ir a todos os cultos, nos grupos de estudo, nas vigílias, trabalhar em cinco ministérios e não ter intimidade com Deus é a mesma coisa que os judeus da época de Malaquias faziam. A palavra que Deus deu a Malaquias foi para chamar seu povo para uma real vida com ele, e acredito que estamos precisando de um profeta com o mesmo discurso. A Igreja só será atuante se os cristãos que a formam tiverem vida comprometida com o Reino de Deus. Acho que é bom darmos uma parada para refletir e avaliar como está nossa vida. Será que você e eu somos discípulos de Cristo ou somente pessoas religiosas?
