AS VOZES DA VIDA

A primeira narrativa de um acontecimento do novo testamento, relata a gravidez de Maria. O evangelho de Mateus traz o nascimento de Jesus de uma forma bem resumida, mas muito interessante. No primeiro capítulo há o relato de como Deus falou a José sobre a gravidez, durante um sonho. Fazendo-se uma leitura panorâmica, talvez não se entenda a profundidade do acontecimento. José e Maria tinham um compromisso; algo parecido com o que conhecemos como noivado e ela aparece grávida. A Bíblia diz que os dois não haviam tido relações sexuais. É óbvio o que se passou pela cabeça de José. A situação fica muito mais complicada, quando consideramos a situação das mulheres na época. Tratava-se de uma sociedade machista, onde algumas linhas do judaísmo chegavam a achar que as mulheres nem tinham alma. Pela lei vigente na época, mulheres adulteras podiam ser apedrejadas até a morte. Nesse contexto, José descobre que sua amada está grávida. Ele não quis expô-la publicamente e resolve deixá-la secretamente. Mas Deus lhe falou em um sonho, dizendo que o filho que ela espera foi gerado pelo Espírito Santo, e que ele a recebesse. José foi obediente e não a repudiou. Em seu coração, o filho era dele.

Como comentei, considerando todo o contexto da época, tratava-se de uma situação muito delicada. Se hoje, dois mil anos depois, já é algo difícil, imagine como foi para José e Maria. Ouve-se falar muito de Maria, mas pouco em José. A própria Bíblia fala pouco sobre ele, mas do pouco que se sabe pode-se extrair valiosas lições, e é sobre uma delas que quero refletir um pouco. José encontrava-se em uma encruzilhada. De um lado estava sua honra, sua auto estima, os direitos legais e talvez outras questões envolvidas. Do outro, apenas um sonho; um sonho através do qual Deus falou. Vamos nos colocar no lugar de José: se acontecesse comigo ou com você, pensaríamos que foi um sonho onde supostamente Deus falou. Tratou-se de algo real, a gravidez de Maria e toda a situação, e algo metafísico, um sonho onde talvez Deus falou com ele. Me referi a “talvez Deus falou” não por duvidar da Bíblia, mas sim o que provavelmente passou na mente de José. Deve ter sido um grande dilema. É aqui que a lição começa.

Pouco se sabe sobre José, mas podemos deduzir algumas coisas. A mais óbvia, e principal, é que tratava-se de um homem que realmente tinha vida com Deus. Ele tinha todos os motivos e até direitos em repudiar Maria, mas atendeu ao que Deus lhe dissera. Particularmente acho que a chave de tudo foi o fato de José reconhecer que realmente era Deus falando naquele sonho, e que este não era fruto de sua mente. Especialistas dizem que sonhamos todas as vezes que dormimos, mas que lembramos de poucos sonhos. Ou seja, sonhar não é novidade para ninguém. Acho que todos já tivemos aqueles sonhos meio loucos, sem nexo, onde até ficamos nos perguntando de onde que isso saiu. Quer um sonho mais sem nexo do que um Deus, o todo poderoso, o soberano, um ser espiritual, engravidar uma mulher? Aí está um sonho realmente louco! Acredito que isso tenha passado pela cabeça de José, mas ele teve algo que é o cerne da questão. Ele teve a capacidade de reconhecer a voz de seu Deus. Não basta abrirmos nossos ouvidos à voz de Deus, se não sabemos reconhecê-la. Isso nem sempre é fácil, pois junto com a voz de Deus, sopram muitas outras vozes. Talvez a mais forte, aquela que mais nos confunde é a nossa própria voz. Quando estamos diante de uma encruzilhada como a de José, nossa vontade fala tão alto, que muitas vezes “cala” a voz de Deus. Não se trata de algo voluntário; tomamos muitos caminhos realmente achando que seja a vontade de Deus. Mas quantos caminhos que são trilhados por filhos de Deus levam a um final infeliz?

 A única forma de reconhecer a voz de Deus é conhecendo o próprio Deus. Não se conhece uma pessoa tomando um cafezinho de vez em quando com ela; da mesma forma não se conhece Deus, relacionando-se com ele esporadicamente. Também não se conhece alguém pelos relatos de outras pessoas. Não podemos conhecer Deus somente através de belos sermões proferidos dos púlpitos. Há um ditado que diz que só conhecemos uma pessoa, quando comemos um saco de sal com ela. Imagine quanto tempo que se leva para consumir um saco de 60kg de sal. Na comida vai pouquíssimo sal e são necessários muitos anos para consumir 60 kg de sal, compartilhando as refeições sempre com a mesma pessoa. Assim também é com Deus. Talvez não leve muitos e muitos anos para conseguirmos andar em seus caminhos, mas com certeza não podemos dizer que o conhecemos ouvindo apenas uma pregação ou algum relato sobre ele. Conhecer Deus demanda um relacionamento a dois. É uma questão pessoal e não somente coletiva, no seio da igreja. Mas, na correria do dia a dia, com os compromissos nos atropelando como verdadeiros rolos compressores investimos cada vez mais nossas energias em atividades relativas à vida terrena, e no aqui e agora. Gradativamente, de uma forma muito sutil, Deus vai descendo a escada das nossas prioridades. Degrau a degrau ele vai se tornando cada vez mais estranho, e vamos colocando outras pessoas ou “coisas” no trono que é de Deus.

     A vida realmente está cada vez mais atribulada, mas cabe a cada um de nós parar e estabelecer suas prioridades. Mas não podemos esquecer da lei da semeadura, onde colhemos o fruto daquilo que plantamos. Se quisermos ter uma vida bem sucedida como a de José, temos que conhecer Deus de uma forma íntima para que reconheçamos sua voz. Não sejamos ingênuos em achar que podemos levar uma vidinha medíocre com Deus, e no final dar um jeito para que tudo se resolva. A única forma de realmente vencer, é fazer a vontade de Deus, e para isso devemos conhecê-lo.

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