SOBRE TER RAZÃO

“Uma das ilusões mais fortes quando estamos aprisionados à dimensão da briga é a sensação de que “temos razão”. É como se criássemos uma consciência circular da situação em que nos encontramos, toda ela amarrada em si mesma. Por mais que tentemos, não conseguimos transpor os limites desta subconsciência. Buscamos muitas vezes a opinião de terceiros para que confirmem aquilo que nos parece inconcebível como sendo uma posição defensável do outro. Quando obtemos esta certeza por meio de nosso próprio discernimento e com o apoio de outros a quem consultamos, ficamos diante de uma realidade assustadora. Se a posição do outro é insustentável e se ainda assim ele a mantém, concluímos então que o outro é em si ruim. O outro faz parte do mundo que vê as coisas às avessas. Pensamos “por causa de sujeitos assim é que o mundo é como é!” E prosseguimos em nossas conjecturas: “Se temos razão, então não há outra solução para o conflito senão a renúncia do outro à sua posição” (BONDER, 2010, p. 112).

Quando li este livro, que inclusive foi escrito há alguns anos, não pude deixar de perceber como o tema ainda é atual, ainda mais com estas discussões políticas que temos visto. Eu sei que é um desafio deixar de ver o mundo através de nossas óticas ou crenças, e eu sei também que é um grande desafio deixar de opinar e dizer o que pensamos. Mas o que este capítulo otimamente enfatiza é que nem sempre estamos certos no que afirmamos:

“A sensação de se estar ao lado da justiça, de estar com razão, pode ser legítima apenas enquanto uma opinião, porém nunca como uma certeza. Tanto a confiança total em nosso julgamento quanto a busca obsessiva por provar que o outro está errado têm duas consequências malignas: a acusação e a autojustificação” (BONDER, 2010, p. 112).

O autor continua fazendo alguns bons apontamentos, ele diz usando uma explicação dos rabinos que quando julgamos o outro, acabamos a julgar a nós mesmos. As vezes ao apontarmos os erros do próximo, acabamos por cometer um erro pior ainda.

Nunca mais me esqueci daquele pastor que chutou a santa uns anos atrás, pois por mais que eu não acredite em santos, não creio que chutar seja a solução. No fim, aquele pastor acreditava que aqueles religiosos estavam errados em adorar a santa, mas teve uma atitude pior de falta de amor e intolerância:

“O alerta é claro: nas questões de julgamento, estamos sempre submetidos a uma agenda interna, a interesses que nos justificam, antes mesmo de qualquer imparcialidade. Ou seja, toda a sensação de “ter razão” em uma determinada questão envolve a tentativa de legitimar nossa própria maneira de ser” (BONDER, 2010, p. 113).

Ou seja, este ter razão é mais uma autoafirmação do que a busca real pela verdade. Mas não é fácil eu sei, pois as vezes falamos do que temos certeza, ou não fazemos por mal. O autor continua dando alguns segredos de como ser imparcial, como tentarmos ser justos e desenvolvermos um diálogo assertivo, mas quero terminar com as últimas palavras do capítulo do livro que ressalta o perigo e o desafio de se ter razão:

“Estar com razão é a tênue fronteira entre a devoção e a idolatria. Por um lado, é um sentimento a ser evitado, pois possibilita desvios e perversões, fortificando falsas percepções de si mesmo e dificultando toda a sorte de diálogo. Por outro, é a postura do sábio e do justo, pois saber posicionar-se verdadeiramente em nome do que se acredita ser correto, sem se permitir corromper por interesses e necessidades pessoais, está entre os feitos de mais difícil realização para os seres humanos. Poderíamos dizer, portanto, que existe uma forma construtiva de conflito, no qual o fato de se crer assertivamente “estar com a razão” não apenas promove o diálogo, mas define a própria tarefa do justo” (BONDER, 2010, p. 113).

No fim tudo vai depender do que move você a fazer o que faz, em nome do que você quer ter razão. Buscar o diálogo é importante e se conhecer é fundamental para que não sejamos traídos por nossas falsas percepções deixando de promover o crescimento e o diálogo ao invés de acusações.

BIBLIOGRAFIA

BONDER, Nilton, A Cabala da Inveja, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2010.

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