O tema caridade é bem complexo, e quando discutido, quase nunca gera uma opinião unânime. Principalmente quando o tema descamba para a falta ou não de oportunidades. Em um país onde temos que ralar bastante para tentar conseguir alguma coisa, nem todos aceitam a falta de oportunidades como desculpa para pedir dinheiro.
No polêmico livro do pastor Yago Martins, ele discute justamente este tema, aliás, ele vai mais a fundo e resolve ir para as ruas para entender de perto o tema caridade e o que ela gera na sociedade. No final, após um ano como um mendigo disfarçado, ele pontua justamente como a mendicância se tornou uma máfia, e como a caridade muitas vezes torna os necessitados dependentes de uma espécie de caridade tóxica.
É importante entender que ao contrário do que diz o ditado popular “Fazer o bem sem olhar a quem”, devemos sim olhar a quem estamos ajudando, para assim amparar aquele que realmente precisa. A caridade feita de qualquer forma pode gerar pessoas dependentes, que acreditam que os outros devem ajudá-lo por conta de sua condição.
Outro ponto interessante que ele trabalha no livro é como a caridade serve para alguns religiosos se sentirem bem, como uma espécie de massagem no ego ou uma forma de se autoafirmar, pelo menos de forma indireta. Mostrando como ele é uma pessoa boa, caridosa e prestativa. No final, acaba sendo uma troca, a pessoa ajuda e recebe em troca uma massagem no ego.
O auxílio deve ser sempre bem pontuado, oferecendo alimento, mas também proporcionando suporte espiritual, físico e mental. Dando-lhe oportunidade de sair das ruas e fazer com que caminhe com suas próprias pernas. E acima de tudo, separando quem não quer ajuda dos que realmente querem e têm vontade de olhar para frente e continuar.
Quando criamos pessoas dependentes, incentivamos mesmo sem querer, que alguns não se desenvolvam e fiquem apenas na dependência. É importante a pessoa assumir as rédeas e aprender a caminhar com suas próprias pernas. O autor do livro usou a citação de Lupton, que creio que resume bem o assunto:
“Quando o alívio à dificuldade não serve de transição para o desenvolvimento de forma oportuna, a compaixão torna-se tóxica” (MARTINS, 2019, p. 211).
Há mais ou menos 20 anos atrás trabalhei na rua, por conta disso, não me surpreendi com os relatos do livro do pastor Yago. Na rua todos sabiam quem oferecia janta e almoço de graça. Quais eram os albergues e onde conseguir pizza e salgadinho à noite. Era bem como o autor falou, tínhamos um cardápio, e bem variado, que quase sempre não falhava. Não era uma vida fácil, embora a falta de compromisso fizesse tudo valer a pena.
É claro que não podemos generalizar, muitos dos que estão na rua precisam de ajuda, contudo, existem os que fazem da mendicância uma forma de viver, por isso, é preciso mergulhar mais no assunto, entender mais o ambiente, para que possamos ajudar as pessoas que realmente não tem oportunidade e precisam de ajuda.
A caridade tóxica é feita de qualquer jeito, sem olhar para as pessoas e entender sua situação e as suas necessidades. Algumas vezes é preciso muito mais que dinheiro, é preciso ouvir, caminhar com a pessoa, mostrar a saída.
Ou nos comprometemos ou sairemos às ruas apenas para distribuir coisas, como se coisas realmente fizessem diferença na vida das pessoas.
BIBLIOGRAFIA
MARTINS, Yago, A máfia dos mendigos: Como a caridade aumenta a miséria, Editora Record, Rio de Janeiro, 2019.
