IDENTIDADE CRISTÃ

“Mas o publicano ficou a distância. Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador’” (Referência: Lucas 18:9-14).

Nem sempre um rótulo é algo ruim, em algumas situações, ele mostra quem somos, quais são os nossos gostos e anseios. E isso acaba sendo totalmente positivo em alguns ambientes.  

Quando eu era novo, por exemplo, gostava de ser visto como um músico que tocava metal. Aquele estilo era o meu preferido e me definia. Quem curte rock ou metal, tem um modo de se vestir, falar e se comportar bem único e isso na adolescência, era motivo de muito orgulho. Com isso, eu tinha a maior alegria em ser visto como um músico deste estilo, isso me fazia crer que eu tinha um propósito na vida.

Hoje eu sou professor e teólogo, conhecido como alguém que lê muito, é assim que muitos me veem, seja no trabalho, igreja ou entre os amigos. A diferença é que hoje eu não me esforço para parecer algo. Eu apenas me dedico da melhor forma possível em minhas práticas profissionais ou mesmo as atividades pelas quais eu gosto, como ler e escrever. Tenho como princípio ser um ótimo professor, muito mais do que parecer um ótimo profissional.

A primeira atitude tem como ponto de partida a aparência, em tentar parecer o máximo possível com aquilo que gostamos, a outra foca na habilidade, na prática, na atividade. Pois no final, são as nossas atitudes que nos definem, com isso, elas podem ser verdadeiras, ou fabricadas. No exemplo pessoal que eu dei, eu não era um músico de rock falso e sim, que a aparência contava muito mais do que o meu desempenho no instrumento musical. Eu queria muito mais me autoafirmar, do que realmente ser, neste tempo.

Ser cristão não é muito diferente deste exemplo. Alguns usam a palavra apenas como rótulo, que acaba por não definir quem a pessoa realmente é. Sendo que são estes que, na maioria das vezes, causam muitos escândalos, já que suas vidas não refletem o evangelho. Como são as nossas atitudes que nos definem, estas pessoas acabam vivendo uma vida irreal.  Por isso que de tempos em tempos, pastores sem ética, pedófilos, ladrões entre tantos falsos pastores, aparecem na mídia com algum escândalo. Pois quem eles dizem que são, não combina com as suas práticas.

Veja como até na igreja, por conta de cargos e títulos, corremos o risco de vivermos vidas pré-fabricadas, sem qualquer sinceridade. O pastor, na teoria, é um servo, alguém que lidera ou cuida das pessoas na igreja, mas o título, faz com que muitos deles se sintam superiores, vivendo vidas que não combinam com o evangelho. O que vem como uma responsabilidade, que é o cargo de pastor, músico ou líder de algum ministério, termina nos transformando em atores exercendo um papel cômico e contraditório na vida, crendo que o título lhes concede vantagens especiais.

Estar neste mundo é conviver com realidades pré-fabricadas e em alguns momentos, sermos contaminados por elas. Às vezes, no frenesi de querermos ser, vestimos um personagem sem percebermos que estamos atuando ao invés de vivermos práticas genuínas e sinceras.

O cristão deve acima de tudo ser alguém sincero, alguém que não se disfarça, que sabe suas falhas e não representa. O problema não é só pecar, existe também um grande perigo na falta de sinceridade, em falar que somos algo, sem sermos o que estamos afirmando ser. Deus ouve muito mais o nosso coração do que as nossas palavras. Deus vê muito mais as nossas atitudes e tentativas de melhorar, do que quem tentamos parecer para o próximo.

A parábola do Fariseu e do Publicano fala principalmente de sinceridade. De alguém que representava um papel, se considerava mais santo do que todos, que confiava em sua própria justiça, sem perceber quem ele realmente era. E de outro lado, havia um Publicano, que sabia quem era, não escondia das pessoas isso, era consciente de suas falhas e buscava em Deus a sua misericórdia. 

Um publicano era um judeu recrutado pelo império Romano para cobrar impostos. Eles eram vistos por todos como traidores, já que trabalhavam para o império que os dominavam. A comparação na parábola de Cristo era totalmente escandalosa aos olhos de quem ouvia. Já que um fariseu era um religioso muito dedicado, que sabia a Torá e as leis de cor e era fiel a todas as práticas (pelo menos parecia ser) e o publicano um traidor. A questão é que o fariseu se achava superior, merecedor de tudo e esquecia dos pobres e das pessoas. E o publicano sabia quem era, ele tinha certeza que precisava da misericórdia de Deus. Um estava vivendo um papel, o outro vivia uma vida sincera, ele sabia bem quem era, por isso, clamava pela misericórdia de Deus. D. A Carson complementa:

“Deus está sempre pronto para receber os injustos quanto estes apelam a ele, mas fecha seus ouvidos àqueles cujo orgulho por suas práticas religiosas e boas obras fazem com que se sintam autossuficientes” (2012, p. 1518).

Um fariseu era alguém realmente dedicado, onde muitas vezes, fazia muito mais do que a própria lei pedia, mas muitos deles, pois não dá para generalizar, terminavam por ficar autossuficientes, como se eles mesmos já se bastassem.

Quando confiamos em nossa própria justiça, perdemos a nossa essência e aos poucos deixamos de ser quem somos. Com isso, esquecermos a pessoa pecadora que cada um é e da misericórdia de Deus, que nos alcançou e nos alcança todos os dias. Seguimos sendo arrogantes, crendo sermos melhores que os pecadores e publicanos.

É importante lembrar que antes de qualquer rótulo, nós somos cristãos, esta deve ser a nossa real definição, por isso que, se as nossas atitudes não demonstrarem quem imitamos, vamos acabar virando atores, desempenhando um papel qualquer e muito longe da verdade.

Nesta vida nós exercemos vários papeis, somos pais, profissionais, e inúmeras outras coisas, mas tem algo que nos define de verdade que é ser um discípulo de Cristo. E por sermos discípulos, temos que amar, servir e ter misericórdia, assim como Deus teve misericórdia de nós.

BIBLIOGRAFIA

CARSON, D. A.; FRANCE, R. T.; MOTYER, J. A.; WENHAM, G. J. Comentário bíblico Vida Nova. 1. Ed. São Paulo: Vida Nova, 2012.

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