AGOSTINHO E O TEMPO

Cresci assistindo filmes e séries sobre viagens no tempo, era realmente interessante pensar na possibilidade de poder voltar e revisitar histórias e acontecimentos famosos ou mesmo, consertar decisões equivocadas que tomamos.

A nossa vida é construída com histórias, acontecimentos que muitas vezes guardamos como lições. É normal as vezes pararmos e lembrarmos do passado, de dificuldades e lições aprendidas. São tempos que passam e ficam na lembrança.

E sobre o tempo, lembranças e acontecimentos, se pararmos para refletir, entraremos em algumas áreas realmente complicadas, pois afinal, o que seria o passado, o presente e o futuro? O passado existe ao ponto de podermos revisitar? E o futuro é um lugar ou ele acaba sendo apenas uma projeção da nossa mente, apenas uma interpretação dos dias que se foram? São muitas perguntas que o assunto levanta.

Ao discorrer sobre o conceito de tempo, em sua obra “Confissões”, Agostinho pontua que o tempo é algo que sabemos muito bem, quando não nos perguntam sobre. Mas que se precisarmos explicar, mostraremos a nossa inaptidão (2016, p. 342).

A questão do tempo se faz presente na filosofia de Agostinho por conta de seu embate com os maniqueístas, que através de sua visão dualista de bem e mal, concebiam o mundo como uma mistura de bem, que era Deus e mal, que seria a matéria. Sendo que ambos possuíam uma natureza infinita e ilimitada, e seguiam em uma eterna batalha (COSTA, 2012, p. 53).

Vinha também dos maniqueístas questionamentos sobre Deus e sobre o que ele estaria fazendo antes de criar tudo. A diversão deles era fazer soar ridícula a criação do tempo segundo Gênesis. Para Agostinho, o tempo havia sido criado por Deus, junto com tudo o que ele criou, sendo que antes, não havia nada, muito menos tempo (COSTA, 2012, p. 53). Dario Antiseri e Giovanni Reale complementam:

Antes de criar céu e terra, não havia tempo e, portanto, como já acenamos acima, não se pode falar de um “antes” antes que o tempo fosse criado. O tempo é criação de Deus […]” (p. 466).

O tempo é algo criado por Deus, e Deus vive em um eterno agora, para Ele, sempre é. Por fim, o tempo é algo que existe dentro do ser humano, visto que é ele que mantem suas lembranças e interpretações sobre o que aconteceu e também suas expectativas e planos para o futuro.

O tempo, como diria Agostinho, é apenas o presente. O passado não existe, ele é uma interpretação que fazemos no presente sobre um dia que passou. O futuro é só uma projeção da nossa mente. E o presente é o dia em que vivemos, é o hoje. Com isso, ele resume a questão dividindo o tempo em: presente do passado, presente do presente e presente do futuro. O presente do passado, seria a memória, o presente do presente na nossa percepção e o presente do futuro a expectativa (2016, p. 348-349). Tal questão está bem pontuada em seu livro “Confissões”.

Quando falamos em passado, discorremos sobre uma interpretação que fazemos no presente de algo que já passou. Em um dia que não mais existe e que se foi. O tempo é uma existência fragmentada visto que ele está sempre passando. Só há o presente, o passado é um momento que sobrevive na memória e o futuro permanece como uma espera tendo como base as nossas percepções no presente (GILSON, 2010, P. 365).

No final, segundo Santo Agostinho, não existe passado, presente e futuro, e sim, apenas o presente que também não é, já que também passa e escoa com a fluidez da vida. Se o presente permanecesse, ele seria eternidade, com isso, concluímos que o presente é um eterno deixar de ser (GILSON, 2010, P. 365).

Sobre as nossas histórias, é interessante pensar e colher a lição, contudo, esta reflexão é feita a partir de hoje, com uma interpretação atual, que pode não refletir o que realmente aconteceu. Olhamos nossas histórias, escolhas e acontecimentos, através do olhar atual e muitas vezes reinterpretando algo e assim, cometendo alguns erros.

As lembranças, no final, são interpretações que fazemos no agora, sendo que estamos passíveis de erros, justamente por conta de como o momento que passou significa para nós. Interpretar nem sempre é uma ação calcada na verdade, as vezes erramos, por conta da percepção.

Contudo, independentemente da conclusão que podemos ter do tempo, uma coisa é verdadeira, o tempo demonstra o quanto somos pequenos e frágeis e o quando Deus é soberano.

 Se nós vivemos em uma eterna fluidez, de dias que são e já deixam de ser, Deus vive em um agora eterno, pois para ele o tempo é sempre agora, já que ele é o criador de tudo, inclusive do tempo.  

BIBLIOGRAFIA

AGOSTINHO, Santo, Confissões, Editora Paulus, São Paulo, 2016.

GILSON. Étienne, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, Editora Paulus, São Paulo, 2010.

COSTA. Marcos. Roberto, 10 lições sobre Santo Agostinho, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 2012.

GIOVANI, Reale.; ANTISERI, Dario. Filosofia: Antiguidade e Idade Média. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2020.

RUSSEL, Bertrand. História da filosofia ocidental: Livro 2 A filosofia católica. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2015.

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