SANTO AGOSTINHO E O PROBLEMA DO MAL

O mal é um tema muito falado tanto na teologia quanto na filosofia, sendo que entender de quem é a responsabilidade do mal, principalmente quando falamos de Deus, que é justo, poderoso e soberano, nem sempre é fácil. Muitos não aceitam as inúmeras explicações e acreditam ser contraditório o mal existir ao mesmo tempo que há um Deus bom, mas Agostinho meditou sobre o problema e ofereceu uma boa explicação para esta questão.

Santo Agostinho, um pensador que nasceu em Tagaste em 354, foi um grande filósofo, que depois de convertido, teve como ênfase o estudo da Bíblia e da filosofia, tendo como principal influência a filosofia de Platão (MONDIN, 2018, p. 146-147).

Após buscar respostas em muitos lugares sobre o problema do mal, enfim ele resolve este problema que o afligia há muito tempo. O primeiro ponto de partida de Agostinho para o problema do mal é a conclusão de que Deus é bom, além de soberano e criador de tudo, sendo inclusive a fonte única do bem, não existindo nada acima ou fora dele (GILSON, 2010, p. 271). Agostinho, no livro: “O livre-arbítrio”, pontua que:

 “E ninguém terá de Deus um alto conceito, se não crer que ele é todo-poderoso e que não possui parte alguma de sua natureza submissa a qualquer mudança” (1995, p. 29).

Deus é imutável, além de eterno e poderoso, Ele não muda e muito menos sofre variações, somente o ser humano muda e sofre variações. É só alguém que não está pronto que sofre mudanças, quem é eterno e poderoso, não muda.

O segundo ponto de partida de Agostinho foi concluir que, se o mal existe, ele tem um agente, e se é Deus que pune todas as injustiças e maldades, Ele não pode ser o autor do mal e ao mesmo tempo ser aquele que pune, sendo que se Deus pune, é porque o mal foi praticado voluntariamente por outra pessoa (2019, p. 25-26).

Por fim, fechando a conclusão de Agostinho, ele conclui que o mal não existe ontologicamente, ele é apenas uma deturpação das coisas que são boas, ele é um “não ser”. Battista Mondin complementa acrescentando que:

“Do exame das coisas que o homem denomina más, Agostinho chega à conclusão de que o mal não pode estar só, não pode subsistir, mas que deve existir em uma substância que, em si mesma, é boa. O mal é privação de uma perfeição que a substância deveria ter. Por isso, o mal não é realidade positiva, mas privação de realidade. Pode-se, pois, definir o mal como privatio boni (privação de [algum] bem) (MONDIN, 2018, p. 156)”.

O mal não pode ter vindo de um Deus que é bom, e o mal também não é uma substância que existe e sim, uma privação, uma ferrugem no bem. Com isso, ele não existe, por ser uma privação ou a falta de algo.

Entretanto uma pergunta ainda havia ficado por responder:  Qual é a motivação do mal? O que colabora para que ele exista? A conclusão de Agostinho foi que o mal existe por conta do livre-arbítrio. O mal tem a sua origem no uso incorreto do livre-arbítrio humano (FERREIRA, 2007, p. 132-133). Agostinho novamente complementa pontuando que:

“Se o caminho da verdade permanecer oculto, de nada vale a liberdade, a não ser para pecar” (FERREIRA, 2007, p. 132).

Sem Deus e a sua graça, a nossa liberdade acaba servindo apenas para pecarmos e nos distanciarmos de Deus. O homem pecador sem Deus, seguirá sempre em direção do pecado.

Marcos Roberto Nunes da Costa, acrescenta um resumo em forma de cinco pontos para entendermos a dinâmica da responsabilidade humana e do livre-arbítrio, segundo Agostinho. Em primeiro lugar ele pontua que é o ser humano o único ser que tem a capacidade de pensar e refletir, por ser inteligente, ele julga, reflete e pensa. O segundo ponto é a constatação de que o ser humano é dotado da razão, o que o torna superior a toda a criação e aos animais. O terceiro ponto é que, se o ser humano é dotado com esta capacidade da razão, ele é o único ser capaz de ir em busca de respostas e de obter conhecimento. Os animais usam o seu instinto, mas o ser humano vive através da sua reflexão e da faculdade da razão. Em quarto lugar está o fato de que é no ser humano que a iluminação divina atua, fazendo-o ver a perceber Deus e a ordem que Ele estabeleceu em toda a criação. Em quinto e último lugar está o fato de que é o ser humano que conhece e assim, tem a capacidade de escolher. Optando por ser aproximar (ou não), de Deus, a fonte do bem e da felicidade. Sendo que estes pontos estão totalmente interligados, servem como um resumo do pensamento de Agostinho sobre esta questão (COSTA, 2012, p. 37).

Um Deus bom não pode ser a fonte do bem e também o autor do mal. E se o nosso Deus é justo e é aquele que julga e pune, novamente, Ele não pode punir e ao mesmo tempo ser autor. A conclusão de Agostinho é que na vã tentativa de ser feliz, o ser humano usa o seu livre-arbítrio de modo errado, deturpando o que é perfeito.

O mal não existe, ele na verdade é um “não ser”, uma ferrugem que deturpa e corrói as coisas boas. O mal é se afastar de Deus, a fonte única de todo o bem. Se afastar de Deus, é seguir em direção do mal, visto que nos afastamos do próprio bem.

BIBLIOGRAFIA

AGOSTINHO, Santo. A natureza do bem: O castigo e o perdão dos pecados: O batismo das crianças. São Paulo: Editora Paulus, 2019.

AGOSTINHO, Santo. O livre-arbítrio. São Paulo: Editora Paulus, 2019.

FERREIRA. Franklin. Agostinho de A a Z. São Paulo: Editora Vida Acadêmica, 2007.

GILSON. Étienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Editora Paulus, 2010.

MONDIN, Battista. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. São Paulo: Editora Paulus, 2019.

MONDIN. Battista. Curso de Filosofia. São Paulo: Editora Paulus, 2018.

COSTA, Marcos. Roberto. 10 lições sobre Santo Agostinho. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2012.

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