IDEOLOGIA OU ARMADILHA?

“Ideologia é um pensar sistemático em relação à realidade da história, pensar esse que vira premissa absoluta, pela qual se vê e se julga a vida (FÁBIO, 1991, p. 24-25).

Ideologia é algo que todos têm, cada ser humano possui princípios que acabam por definir suas escolhas e formas de pensar. Este pensar sistemático é algo que faz parte da vida de muitos, mas que nem sempre ajuda. É comum sermos prejudicarmos por nossas ideologias, sem ao menos nos darmos conta.

O problema da ideologia é que ela nos divide. E se o ideólogo é extremo, a ideologia acaba funcionando como um muro ou mesmo arma de ofensa. Por ser um músico que teve banda, vivi esta realidade na pele quando era novo. E hoje, muitos ainda vivem se dividindo por inúmeros motivos, como o estilo musical, como mencionei, mas também religião, política ou condição financeira.

O problema aqui não é ir contra a um grupo de interesses, faz parte da dinâmica da vida termos os nossos interesses além de ser realmente benéfico, visto que, é possível partilhar gostos iguais, aprendizados em um grupo de amigos. O problema é quando a ideologia se transforma em um modo de dividir as pessoas ou mesmo em um carro de combate, que segue ofendendo e passando por cima daqueles que pensam de modo oposto. Transformando o mundo em um grande campo de batalha.

A política se torna o melhor exemplo sobre este assunto, desde que o mundo existe, ela tem sido ferramenta de divisão, transformando o próximo em um inimigo. É o conhecido pensamento “nós” contra “eles”, sendo que a sua lógica é que todos estão errados, menos eles.

Quando eu creio que a minha fórmula é infalível, que a minha forma de pensar é a única correta, o equilíbrio e o respeito vão embora e o extremismo dá as caras. Considerar a possibilidade de estarmos errados e pesquisar o ponto de vista oposto ao nosso, é um bom princípio para não cairmos nos armadilhas do extremismo.

A questão não é que eu sou contra a ideologia e muito menos o pensar sistemático, o problema é que o respeito ao próximo nem sempre se faz presente nestas horas. Dividir e ofender acaba sendo a regra, um bom exemplo disso é Jonas.

Jonas tinha uma grande missão que era pregar em Nínive (Jonas 1: 1, 2), a questão é que ele permitiu que a sua ideologia influenciasse a vontade de Deus. Em todo o momento, ele buscou fazer o que ele achava melhor ao invés de seguir o mandamento de Deus.

Veja bem, Deus chamou Jonas para pregar para um povo bem complicado, visto que eram muito violentos, mas não é só isso, eles também eram inimigos, e para o profeta, era muito mais viável ver o juízo de Deus pesar contra aqueles inimigos, do que dar-lhes uma oportunidade de se arrepender. Warren Wiersbe enfatiza isso quando diz que:

“A atitude incorreta de Jonas com relação à vontade de Deus teve origem num sentimento de que o Senhor estava lhe pedindo para fazer algo impossível. Deus ordenou que o profeta fosse até a Assíria – uma nação inimiga de Israel – e desse à cidade de Nínive a oportunidade de se arrepender, sendo que Jonas preferia muito mais ver a cidade destruída” (2020, p. 468).

Imagine Deus mandar você pregar para o seu pior e mais cruel inimigo. Alguém que havia maltratado muito você, diante deste fato, não é incomum querermos fugir. Jonas é criticado, mas diante deste contexto, compreendemos a sua fuga.

Andar na contramão do mundo, que é um dos propósitos da vida cristã, nem sempre é fácil, exige calarmos o nosso ego, nossas ideologias e pontos de vistas e seguir cumprindo o que Deus quer que façamos.

No fundo, nós muitas vezes acreditamos que somos melhores, justamente porque fomos alcançados por Deus. Criamos uma espécie de ideologia cristã por nos acharmos superiores. Mas a verdade é que ninguém merece, somos todos pecadores, alcançados pela soberana e inexplicável misericórdia de Deus.

A tempestade que assolou a embarcação enquanto ele seguia fugindo de Deus e também o peixe que o engoliu é a parte no qual mais me impressiona, visto que, por mais que parecesse um castigo divino, na verdade, era a mão de Deus trazendo Jonas novamente para o cerne da sua vontade. Contudo, o livro termina com ele não aceitando a conversão e a transformação que Deus realizou em Nínive através de sua pregação.

“Jonas, porém, ficou profundamente descontente com isso e enfureceu-se” (Jonas 4:1).

Por terem se arrependido (Jonas 3: 10), Deus teve misericórdia daquele povo e não destruiu a cidade, mas o profeta não aceitou isso, e o livro termina com Deus explicando e tentando mostrar a Jonas como a sua atitude era incoerente. A ideologia do profeta e o seu profundo nacionalismo, o impedia de ver a transformação que Deus havia realizado naquela cidade.

É um problema quando a nossa ideologia ou crença, vira uma premissa absoluta pelo qual vemos o mundo ou refletimos sobre a vida, como enfatiza a epígrafe, já que o nosso norte deve ser a palavra de Deus e não as nossas ideologias.

Perceba que apesar das nossas diferenças ideológicas, existe algo que nos une que é a palavra de Deus. Na Bíblia há um cerne que nos faz irmãos, mesmo que tenhamos discordâncias em outras áreas.

Que o evangelho seja o fundamento de tudo, que no mais são apenas pontos de vista!

BIBLIOGRAFIA

FÁBIO, Caio. Jonas: O sucesso do fracasso. Niterói: Vinde, 1991.

WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico expositivo: Antigo Testamento volume IV, proféticos. Santo André: Geográfica Editora, 2020.

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