A BANALIZAÇÃO DA NECESSIDADE: O PERIGO DA CARIDADE IRRESTRITA

Ver alguém passando necessidade é algo que realmente me toca. Não gosto de ver ou ouvir sobre pessoas que estão nestas condições, que eu já fico sensibilizado. Passei por algumas situações complicadas durante a minha juventude, com isso, eu sinto uma certa afinidade com tais indivíduos.

Por outro lado, hoje temos visto cada vez mais pessoas nas ruas pedindo dinheiro, desde idosos até jovens segurando cartazes com frases impactantes, com o intuito de tocar as pessoas que em meio aos muitos que pedem pelo caminho, seguem invisíveis. Tendemos a nos acostumar com as coisas, por isso que, em um primeiro momento, um pedinte pode nos deixar sensibilizados, mas depois vamos nos acostumando.

A primeira pergunta que eu me faço é: Quem são tais pessoas? E eu pergunto isso, justamente porque alguns parecem precisar de ajuda e outros não. Alguns aparentam estar em uma condição desesperadora, precisando de auxílio imediato. E outros seguem olhando para as pessoas com um olhar de orgulho, de superioridade, como se não precisassem. Já me deparei com pedintes rindo de forma sarcástica, quando alguém dizia que não tinha como ajudar.

Eu tenho a impressão de que hoje temos uma banalização da necessidade, muitos pedem, mas não sabemos se todos realmente precisam. Vivem assim por estilo ou por não aceitar a ajuda de familiares. Veja bem, eu falo com conhecimento de causa, primeiro por ter passado por situações semelhantes na minha adolescência, em segundo lugar, por ter contato com projetos sociais que trabalhavam com tais públicos.

Na rua, descobrimos quem ajuda, sabemos o cardápio do dia, entendemos todos os caminhos e oportunidades do momento e seguimos para as opções que mais nos convém. Como eu falei, passei um período de aperto na minha adolescência. Mas depois, escolhi viver vendendo arte na rua, por quatro anos, e esta foi uma das leis que descobri existir.

Buscar entender o mínimo do contexto da pessoa que você está ajudando ou do lugar no qual você pretende realizar uma ação social, vai colaborar com a efetividade da sua ação. Ajudar só por ajudar, não é uma ação eficaz. A verdadeira ajuda surge quando você conhece o contexto, consegue acolher e proporcionar momentos de mudanças reais aquelas pessoas que passam por momentos difíceis. Yago Martins enfatiza um ponto fundamental sobre ajudar com consciência:

“Por darmos sem nos importarmos de fato com quem recebe, acabamos gerando efeitos negativos na vida dos recebedores. Se estamos dando o que achamos que o outro deveria precisar, achamos suficiente” (2019, p. 57).

Perceba que ajudar, de forma efetiva, envolve entendermos o que realmente alguém precisa para conseguir sair da rua. Trabalhos sociais são importantes, oferecer alimento e apoio as pessoas da rua são ações fundamentais, mas saber filtrar quem precisa, daqueles que realmente não querem compromisso, é um ponto de partida importante para não concentrarmos nossos esforços em quem realmente não quer.

Ajudar é um conceito abstrato, precisa de princípios, de conhecimento de causa e do ambiente para que tal ajuda tenha frutos. Existem mundos que não conhecemos e ajudar sem conhecer a realidade é realmente terminar por fazer um desserviço, já que você seguirá encorajando um estilo de vida.

Eu sei que a palavra fome não é nada bonita, quem já passou por isso, entende bem o teor do termo, contudo, a igreja precisa criar ferramentas para que as pessoas realmente consigam ter autonomia e mudar suas vidas, e também para não perder tempo com aqueles que não querem uma oportunidade, como já pontuei.

Oferecer a mão de forma verdadeira a alguém é sempre um desafio, envolve muito mais do que apenas dar um dinheiro. É entender um indivíduo, ter contato com uma história e oferecer um caminho de mudança para aqueles que assim desejam. E é também aceitar a opção das pessoas que não estão compromissadas e querem continuar na rua. Respeitar a escolha de cada um é fundamental.

BIBLIOGRAFIA

MARTINS, Yago. A máfia dos mendigos: como a caridade aumenta a miséria. Rio de Janeiro: Editora Record, 2019.

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