“As prisões se propagavam pelas ruas e casas como uma epidemia. Montes de vítimas! Bolos de vítimas!” (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 73).
Aleksandr Soljenítsyn
O ser humano esquece facilmente de algumas lições. Em meio às facilidades modernas, ele muitas vezes apaga da memória fatos e acontecimentos históricos importantes, por isso, termina, em muitos casos, por repetir erros e equívocos, ainda mais quando o tema é política. A parte boa é que os livros deixam registrados os acontecimentos, para que o ser humano não repita erros passados, mas como nem todos leem tais obras, muitos dos equívocos se repetem.
O livro Arquipélago Gulag, escrito por Aleksandr Soljenítsyn, é uma destas importantes obras, que relatam os horrores dos Gulags soviéticos, nos revelando a realidade mórbida do totalitarismo.
A palavra Gulag é um acrônico de Administração Geral dos Campos, sendo que esta divisão era uma das cinco mais importantes do Ministério do Interior (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 672). Os Gulags eram campos de trabalhos forçados para opositores da União Soviética, presos políticos e criminosos.
No primeiro capítulo da obra, chamado de Indústria carcerária, o livro começa relatando como as pessoas enviadas para os Gulags, eram presas de forma misteriosa e surreal. Pessoas eram assaltadas a noite, muitas vezes acordadas de forma repentina em suas casas e levadas sem explicação alguma. Ou presos na rua em plena luz do dia, nas vistas de todos.
Em um dos casos, uma mulher foi presa enquanto assistia à peça do Teatro Bolchói com um homem que a cortejava, mas que acabou prendendo-a. Outras pessoas eram detidas por meio de agentes que se disfarçavam de eletricistas, vizinhos ou motoristas, com o intuito de efetuar a prisão. E o motivo ninguém sabia e por mais que alguns tivessem a esperança da prisão ter sido “equivocada” e o engano posteriormente ser resolvido, normalmente não era. As pessoas eram presas, sem saber o porquê ou mesmo por motivos banais, e permaneciam sofrendo naqueles lugares.
Soljenítsyn mesmo, havia sido preso pela censura, por chamar Stálin de chefão, em uma correspondência secreta com um amigo de escola. Perceba como a censura não admitia erro algum, mesmo um inocente apelido (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 14). Tais fatos descritos no livro me salta aos olhos e me obriga a olhar para a nossa atual fase política, para a imposição e censura que parece estar surgindo em nosso país. Soljenítsyn comenta que:
“Durante algumas décadas, as nossas prisões políticas distinguiram-se justamente por capturar pessoas que não eram culpadas de nada, e por isso mesmo despreparadas para qualquer resistência (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 46)”.
A parte surreal do livro é que aos poucos as pessoas iam se acostumando e se conformando com aquelas prisões políticas, em uma estranha atitude de aceitação e estagnação. Era uma vida de terror, onde o medo de ser preso a qualquer momento, era uma das realidades. E ninguém conseguia reagir.
A perseguição religiosa também aconteceu com ares de Revolução eclesiástica, mostrando uma das conhecidas facetas do comunismo. A igreja Ortodoxa Russa foi perseguida e muitas pessoas presas, não pela sua crença, segundo eles, e sim por expressarem sua fé em voz alta e por educar os filhos na mesma religião, como se isso fosse errado. Por fim, apenas os membros da Igreja viva, que era um movimento de renovação eclesiástica, aceitaram as mudanças que o governo impôs as igrejas (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 62-63).
Muitos outros grupos também foram perseguidos pelos motivos mais diversos, inclusive por serem de outras nacionalidades, imitando o que o próprio nazismo fez, revelando como um governo consegue instaurar o caos, quando não parte de princípios justos e da liberdade. O totalitarismo é assim, ele dita as regras e limita quem discorda ou pensa diferente. Soljenítsyn conclui o tema pontuando de forma bem realista que:
“A narrativa acima deveria, aparentemente, mostrar que, no desalojamento de milhões e no povoamento do Gulag, havia uma lógica calculada a sangue-frio e uma obstinação permanente. Que nossas prisões nunca estavam vazias, mas sempre cheias, ou desmedidamente superlotadas” (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 80).
O livro é um alerta e nos ensina como a liberdade não tem preço e também revela como a maldade humana pode tomar proporções malignas. Isso que este texto fala apenas do primeiro capítulo da obra, a narrativa é bem longa e triste.
Idealizar um político ou um sistema de governo é perigoso. Brigar por um país com leis justas, que combatam este tipo de crueldade é fundamental para que nenhum país ressuscite tais atrocidades.
BIBLIOGRAFIA
SOLJENÍTSYN, Aleksandr. Arquipélago Gulag: Um experimento de investigação artística 1918 – 1956. São Paulo: Carambaia, 2019.
