Quando falamos em pão e circo, logo nos lembramos da política, roubalheira, dinheiro gasto em excessos, enquanto muitos ignoram o que acontece com o nosso país. Esta expressão nasceu durante o domínio de Roma, onde imperadores a fim de manterem a paz em seus reinos distribuíam divertimento e comida ao povo para mantê-los contentes e controlados. Isso acontecia há muitos anos, contudo, o assunto ainda é muito atual. Visto que, vemos em tempos de eleição as mesmas táticas em ação em prol de alienar e manipular pessoas.
Porém, engana-se quem acha que este método é usado somente na política, a igreja também tem suas artimanhas. Se olharmos para a igreja atual, veremos alguns pastores aplicando golpes semelhantes, usando tal tática para manipular seus fiéis.
A começar pela falta de ensino, que leva estas pessoas a viverem uma vida alienada e dependente. Contudo, se formos falar de todos os golpes que aplicam e todas as distorções que fazem da palavra, este texto viraria um livro, porém vale a pena analisar duas de suas principais distorções.
1) Não toque no ungido do senhor (1Samuel 26:9)
Este texto é muito usado em igrejas das mais diversas, por pastores que buscam serem intocáveis, fugindo de questionamentos. E é desta maneira, se colocando acima dos outros como soberanos, que eles seguem brincando de ser pastor. O engraçado é que a Bíblia diz: quem quer ser o primeiro, que seja o servo de todos (Mateus 20:26-27), mas este versículo eles esquecem. Porém, o que este texto quer dizer, “sobre não tocar no ungido”, é algo bem diferente. O texto aqui fala que Saul tinha levado um exército para caçar Davi, e este tendo oportunidade de matar o rei, não quis, por ser um ungido do senhor (CARSON, 2012, p. 485). O ungido do senhor, no contexto deste texto, seriam somente os reis, que eram escolhidos por Deus e ungidos com óleo. Este texto é muito usado por pastores, mas não se encaixa no conceito pastoral.
No Velho Testamento é possível vermos vários tipos de unção, o primeiro tipo é a unção de coisas, como os escudos que eram consagrados para a batalha (2 Samuel 1:21; Isaias 21:5), além do tabernáculo, o altar e também os móveis (Êxodo 30:26-29, 40:94; Gênesis 28:18, 35:14). O segundo tipo de unção era de pessoas, como os reis que eram ungidos para o trabalho, ou os sacerdotes e profetas (1 Reis 19:16; Levíticos 7:3, 10:7, 4:3; 1 Reis 1:39, 46; 19:16; 1 Samuel 10:1), que eram representantes de Deus na terra, entre tantos exemplos de unção que podemos encontrar na Bíblia. É interessante perceber que o adjetivo Cristo, ou seja, ungido, é encontrado por mais de quinhentas vezes no Novo Testamento, sendo que o próprio Jesus foi ungido com a presença do Espírito Santo (Lucas 4:18), que o capacitou a cumprir o seu chamado. E o próprio Cristo, quando foi ungido nos pés por uma mulher, disse que o seu hospedeiro poderia o ter ungido (Lucas 7:44-46), mostrando que ungir convidados era um costume da época (CHAMPLIN, 2013, p. 524). Naquele tempo, era normal oferecer um óleo perfumado aos convidados. Sendo assim, precisamos tomar cuidado com um termo que possui muitas aplicações.
Ser pastor é servir, ajudar, estender e mão, e não governar com mãos de ferro. Não há erro algum em nos corrigirmos, já que estamos todos sujeitos a erros. Em uma igreja cristã saudável, o prestar contas ou o fato do pastor ser aberto para questionamentos, com o respeito que todo o ser humano merece é claro, é uma prática importante e fundamental, para formar cristãos maduros e relevantes.
Eu não tenho problema algum em ser questionado, e muito menos de confessar um erro, quando eu assim o cometo. Todos nós erramos sendo nossa principal missão nos corrigir, então, tome cuidado com lideranças abusivas e orgulhosas.
2) Nascemos para ser cabeça e não cauda (Deuteronômio 28:13)
Este é outro texto usado de forma equivocada, que eu ouvi muito quando era novo, de pessoas que almejavam status, dinheiro e poder e pensavam, de forma errônea, que ser cristão era isso, reinar, ser poderoso e desfrutar do bom e do melhor. Contudo, o que o texto se referre é sobre algo totalmente diferente. Fala sobre a aliança de Israel, e as bênçãos e maldições provenientes do seu cumprimento ou da falta dele. Fala do povo de Israel, e do seu relacionamento com Deus (CARSON et al, 2012, p. 345).
Usar este texto como pretexto para ser abençoado é complicado, ainda mais para nós, que fomos avisados por Cristo que passaríamos por aflições (João 16:33). E se olharmos apenas para o Velho Testamento procurando benefícios materiais, fecharemos os olhos para o Novo Testamento, que mostra os apóstolos passando dificuldades, fome, e morrendo nas mãos de seus inimigos, desta forma, teremos uma suposta contradição.
Eu sempre digo que temos que ter cuidado de olhar para o Velho Testamento, sem o Novo nas mãos, caso contrário, certamente cometeremos equívocos. Ricardo Barbosa resume a intenção de muitos ao usar este texto de forma errada:
“Segundo alguns afirmam, fomos criados para sermos “cabeça e não cauda”, numa referência clara da cadeia de consumo, seja o consumo pelo poder (devemos ser cabeças nas empresas em que trabalhamos), seja no consumo de bens (melhores carros, casas, viagens). O maior sinal da benção do deus deste século é a prosperidade econômica e o bem-estar material” (2014, p. 68-69).
Quando eu falo sobre este tema, bato sempre na mesma tecla, ser cristão não é “ter” ou “ser o melhor”. O chamado de Cristo sempre foi o do arrependimento, de voltarmos os olhos para Deus. O cristão não é aquele que não tem problemas e é próspero, e sim, o que guarda e segue os mandamentos de Cristo (João 14:21).
É fácil um cristão se influenciar com as prioridades do deus deste século e adaptar a mensagem cristã a seu bel-prazer. Principalmente hoje, que vemos muitos pastores vendendo uma mensagem como se fosse o evangelho, por existirem muitos que acreditam que ser cristão é isso.
Eu sempre digo, repetindo os ensinos da palavra: Cuidado com os falsos mestres, não aceite tudo sem refletir ou questionar. Tenha certeza do que está sendo ensinado e na dúvida, consulte a Bíblia. Muitas vezes o problema está dentro de nossas próprias igrejas, cabe a nós sermos relevantes, para confrontar, mudando assim esta realidade. E é só com o pleno entendimento da palavra que conseguiremos fazer isso.
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA, Ricardo. Identidade perdida. Curitiba: Editora Encontro, 2014.
CARSON, D. A.; FRANCE, R. T.; MOTYER, J. A.; WENHAM, G. J. Comentário bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2012.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, teologia & filosofia: Volume 6. São Paulo: Hagnos, 2013.
