A criatividade é algo fenomenal. É com ela que ideias surgem, obras importantes ganham vida e belas músicas inundam a nossa realidade. Entretanto, ao ler o Arquipélago Gulag, constatei o lado obscuro da criatividade, quando o autor do livro narra as torturas que eram praticadas nos inquéritos na União Soviética.
Como mencionei no primeiro texto, no período do comunismo Russo, as pessoas eram presas sem saber o motivo. E em alguns casos, a censura prendia as pessoas por motivos banais. Sendo que a maioria dos presos passavam por inquéritos, e as torturas praticadas pelos responsáveis dos inquéritos faziam as pessoas confessarem crimes que não haviam praticado, tamanha a brutalidade dos atos. A lista de formas de tortura era grande, revelando uma obscura criatividade que aquelas pessoas tinham para torturar seres humanos.
Soljenítsyn (2019) explica que os métodos mais simples, que não deixavam vestígios de tortura, iam de ameaças, xingamentos grosseiros, humilhação, intimidação, entre tantas outras táticas. Em torturas mais complexas, os guardas deixavam o preso o dia inteiro em um lugar com uma luz muito forte, ou apertados em um compartimento minúsculo sem espaço algum para o indivíduo se mexer. Às vezes eles deixavam a pessoa em pé por dias sem beber nada ou mesmo com privação de sono e comida. As surras e alguns métodos mais insanos de tortura, também eram praticadas, em uma lista realmente grande e impressionante. Na abertura deste capítulo, Soljenítsyn já faz um resumo próprio, que já demonstra um pouco dos malignos métodos de tortura, fazendo uma conexão com as obras de Tchékhov:
“Se contassem aos intelectuais tchekhovianos, que sempre conjecturavam a respeito do que aconteceria dali a vinte, trinta, quarenta anos, que dali a quarenta anos, na velha Rússia, haveria inquéritos com tortura — que comprimiriam crânios com aros de ferro, que mergulhariam as pessoas em banheiras com ácido, que as torturariam, nuas e amarradas, com formigas, com percevejos, que pegariam varetas incandescentes, tiradas do fogareiro, e cravariam no orifício anal (a “marcação secreta”), e que, na variante mais branda, torturariam por uma semana com a privação de sono, com a sede, e que surrariam até deixar em carne viva —, nenhuma peça tchekhoviana teria chegado ao fim, todos os heróis teriam ido para o manicômio (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 82).
Os inquéritos não tinham o objetivo de descobrir a verdade e sim, obrigar as pessoas a confessarem erros, para desta forma, justificar a sua prisão, sendo que alguns órgãos públicos podiam punir, sem que o réu precisasse passar por julgamento. Sendo assim, milhões de pessoas pagaram por crimes que não cometeram, sendo que a maioria morreu nestes campos de trabalho.
Sobre os julgamentos, em uma série de capítulos onde o autor fala das leis e de como foram julgados alguns casos, uma infeliz verdade ficou evidente, a intenção e a ação para eles eram a mesma coisa e o réu era condenado de igual forma. Este era um dos princípios das leis naquele tempo. Soljenítsyn complementa:
“Se a pessoa, na cama, sussurrou para a esposa que seria bom derrubar o governo soviético, ou se fez campanha durante as eleições, ou se jogou uma bomba — é tudo igual! A punição era a mesma!!!” (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 171).
Como viver em um lugar onde a lei é relativa e aplicada de um modo totalmente autoritário? No final, tais processos serviam apenas de desculpas, não havia justiça, apenas imposição.
O autor faz uma observação importante sobre tudo o que aconteceu na Rússia e na Alemanha. Em 1966, na Alemanha Ocidental, muitos criminosos nazistas foram condenados. Sendo que os jornais e meios de comunicação da época não pouparam críticas ao terror realizado por eles. A pergunta que ele levanta é: por que a Rússia também não puniu os seus malfeitores, por conta do tamanho das atrocidades praticadas? (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 109-110).
A maldade humana não tem medida, principalmente quando as pessoas cruzam a linha da coerência e da sanidade. Mais uma vez, diante de tais narrativas, não consigo me esquecer do texto bíblico que diz que não há um justo sequer, visto que tais atrocidades revelam justamente isso (Romanos 3:10-26). O ser humano longe de Deus é capaz de muitas coisas!
“Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só” (Romanos 3:10-12).
BIBLIOGRAFIA
SOLJENÍTSYN, Aleksandr. Arquipélago Gulag: Um experimento de investigação artística 1918 – 1956. São Paulo: Carambaia, 2019.
