Eu terminei de ler o Arquipélago Gulag, mas não consegui tirar o livro da minha mente e da minha vida. A história e os fatos narrados caminham agora comigo, como uma lembrança de como o ser humano, sem Deus, pode ser muito cruel. É impossível não me relembrar que, longe de Deus, o ser humano é capaz de tudo.
Quanto à história dos Gulags, não é incomum encontrarmos pessoas tentando mudar os fatos, para assim, limpar a imagem do comunismo. Durante a minha leitura, encontrei vídeos e materiais que distorciam e deturpavam todas as narrativas, por isso, tome cuidado. Muitos são os autores especializados no assunto que comprovam como a barbárie nestes campos infelizmente aconteceu. Não deveria existir ideologia política envolvida nestas histórias, o horror do totalitarismo deveria ser discutido por todas as vertentes políticas, para não cairmos mais nos mesmos erros. E este é um dos propósitos destes textos, mas a militância tenta invalidar o fato.
A terceira parte do livro aborda de forma detalhada justamente a realidade nos Campos de trabalho e extermínio. Sendo que um dos fatos, como o autor enfatiza, é que os campos foram criados para exterminar pessoas e não para oferecer trabalho apenas. Soljenítsyn complementa:
“O que terá lugar nesta parte é inabarcável. Para que se compreenda e alcance esse sentido selvagem, é preciso que muitas vidas tenham sido arrastadas para os campos – aqueles campos nos quais é impossível, sem algum privilégio, sobreviver a uma só sentença, pois esses campos foram inventados para o extermínio” (SOLJENÍTSYN 2019, p. 247).
E este é um dos pontos que liga o regime comunista da União Soviética, com a barbárie nazista. Não era só com o intuito de ter mão de obra escrava, que os campos foram criados, mas também para exterminar pessoas. Lembrando o que eu já pontuei nos outros textos, a menor discordância, ou o mais inocente comentário era visto como um erro e a pessoa era presa como inimiga.
Em alguns campos, conforme Soljenítsyn deixa claro, o trabalho era ainda mais duro, devido a projetos com prazos de conclusão absurdos impostos pelo governo, como a construção de um canal, que ceifou a vida de muitas pessoas que trabalharam sem parar, dormiam na neve e morriam congeladas.
No final, a tortura dos Gulags começava com a falta de alimentos e de condições mínimas para alguém viver, e seguia com torturas das mais cruéis e o trabalho escravo, que, em alguns campos, beiravam a exaustão. Pessoas morriam de tanto trabalhar. A câmara de gás Russa, fazendo uma comparação com o nazismo, era obrigar as pessoas a trabalharem até a morte!
E ao contrário do que alguns órgãos de comunicação afirmaram na época, os campos de concentração (Gulags) surgiram em 1917 a 1918, com os primeiros passos da revolução bolchevique. O livro aponta obras e documentos para validar sua argumentação, como, por exemplo, as Obras completas de Lênin, onde ele comenta que já no começo da revolução de outubro, ele já tinha uma lista de punições para opositores do governo ou os desobedientes, como o embargo de bens, detenção, e envio para o trabalho obrigatório. Já havia uma ideia para a criação destes campos, contudo, a lei foi promulgada apenas em 1918. Soljenítsyn sustenta a sua afirmação não apenas nesta obra, mas também nas legislações e documentações do Governo. Está tudo registrado, existe inclusive um telegrama de Lênin que confirma o fato. Entretanto, como o propósito deste texto é comentar a obra Arquipélago Gulag, não me estenderei comentando tais textos, mas fica a sugestão para consulta (SOLJENÍTSYN, 2019, p. 248-249).
É incrível perceber como um governo totalitário consegue pegar uma atividade tão nobre e importante, que é trabalhar, e transformar em algo obscuro. Eu queria estar exagerando neste texto, mas ao ler o livro e empreender algumas pesquisas, durante a leitura, constatei o quanto os Gulags foram cruéis. A realidade destes campos foi assombrosa, mas precisamos conhecer, para não sermos manipulados por narrativas falsas.
Na quinta parte do livro, o que me chama atenção é quando Soljenítsyn fala das novas guardas que eram compostas por soldados que nasceram após a guerra e não tinham tantas informações sobre a história e os presos destes campos. Neste tempo, os Gulags eram movidos pela ignorância. Não havia muitas informações, sendo que, o instrutor político estava sempre pronto para manipular a informação e instruir os soldados novos com ideias mentirosas sobre os presos. Sendo assim, estes soldados se mostravam muito cruéis, já que para eles os presos eram as piores espécies de seres humanos. É evidente que haviam exceções, alguns eram misericordiosos e descobriam a verdadeira história, mas a maioria não era e por isso, o medo e o caos reinavam ainda mais nos Gulags (SOLJENÍTSYN 2019, p. 540-541). Soljenítsyn acrescenta:
“Esses moleques ficam o tempo todo olhando para nós, tanto do cordão como das torres; não têm autorização para saber nada de nós, mas têm o direito de atirar sem avisar. Ah, se eles pudessem ir até os nossos barracões à noite, se pudessem se sentar em nossos tabuados e ouvir: o motivo pelo qual esse velho está preso, o motivo pelo qual esse pai está preso. Aquelas torres ficariam vazias, e as submetralhadoras não disparariam” (SOLJENÍTSYN 2019, p. 541).
Estes instrutores políticos, me leva a olhar para a nossa política e constatar como existe uma manipulação acontecendo em nossa história. Uma narrativa foi construída e uma verdade manipulada em nome dos ideais políticos. E muitos acreditam em tais narrativas de modo obcecado e alienado.
O princípio do totalitarismo é a imposição, é forçar um país a seguir suas regras sem qualquer princípio democrático, sendo que o que aconteceu na União Soviética foi justamente isso, como pontuei nos outros textos. E sobre os instrutores políticos que Soljenítsyn menciona na obra, é impossível deixarmos de fazer uma comparação com toda a manipulação que é feita em nossos dias na mídia e escolas, para manipular as pessoas. Hoje existem estes instrutores que tentam contar uma mentira e culpar o regime político oposto. Todos são culpados, menos eles.
Não pretendo escrever o conteúdo todo do livro, este é apenas um panorama e os fatos que me chamam a atenção neste texto. Vale a pena ler esta e outras obras sobre o assunto, sendo que, durante a leitura, é impossível não perceber algumas semelhanças quanto a imposição e manipulação da informação.
Para concluir este texto, cito na íntegra uma prece que encerra o sexto capítulo do livro. Após descrever o seu atribulado e atarefado dia, onde o autor trabalhou na chuva o dia inteiro, sem comer coisa alguma, Soljenítsyn faz uma oração, relembrando os tempos na guerra:
“Senhor, Senhor! Debaixo de projéteis e de bombas, eu Te pedi que protegesses a minha vida. Mas agora eu Te peço – envia-me a morte…” (2019, p. 304).
Esta oração, a meu ver, define o tamanho do desespero que é estar nestas condições!
BIBLIOGRAFIA
SOLJENÍTSYN, Aleksandr. Arquipélago Gulag: Um experimento de investigação artística 1918 – 1956. São Paulo: Carambaia, 2019.
