A PAZ COMO ÁRBITRO

Existe um certo senso comum que permeia a igreja cristã, que acredita em uma série de equívocos, como se fossem ensinamentos bíblicos. Por isso que, ler e estudar a Bíblia é fundamental para fugirmos de tais ensinos e fundamentar a nossa fé na palavra de Deus.

A paz como árbitro, é uma destas crenças que ouvimos na igreja. Se você está em paz, dizem eles, é porque vem de Deus, evocando o texto de Colossenses. E o texto pontua:

“Que a paz de Cristo seja o juiz em seus corações, visto que vocês foram chamados a viver em paz, como membros de um só corpo. E sejam agradecidos” (Colossenses 3:15) (NVI).

Aparentemente, ao lermos apenas este versículo, podemos ter justamente esta conclusão e dependendo da tradução bíblica, a opinião fica ainda mais nítida. Mas, ao lermos a perícope inteira (a divisão do assunto no texto), perceberemos justamente que Paulo na Epístola aos Colossenses não quer ensinar isso.

Mas antes, não se engane, visto que a paz é um dos frutos do espírito (Gálatas 5:22), Deus oferece esta paz para a nossa vida, contudo, não é sobre esta paz que eu estou me referindo, eu estou falando da paz como árbitro. É quando as pessoas usam a sensação de paz (ou a falta dela), como juiz para tomar uma decisão.

Neste texto, Paulo fala para uma igreja que vivia em conflito, por conta de falsos ensinos que circulavam naquela comunidade, diante disso, nesta passagem (Colossenses 3:12-17), ele incentiva os cristãos a revestirem-se de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e longanimidade (v. 12) e se suportarem, bem como, perdoarem uns aos outros (v. 13). E que, acima de tudo, o amor (v. 14) e também a paz seja o juiz entre eles. Perceba que o contexto é justamente a convivência, visto que, na segunda parte do versículo, ele fala que os cristãos foram chamados para viver em unidade, em um só corpo (v. 15). A paz que o texto menciona está ligada à comunhão. Ou seja, que a paz entre os irmãos seja o juiz, o norte e a prioridade da igreja. Peter T. O’Brien complementa:

“Mas a paz de Cristo não é uma referência à paz pessoal ou interior. Em vez disso, é a paz que ele personifica e traz (cf. Jo 14.27) e é equivalente à salvação. Além disso, não é uma questão de a paz de Cristo “agir como árbitro”. Antes, o verbo significa governar, o próprio Cristo, que é o senhor da paz (cf. Ef 2.14; 2Ts 3.16), deve estar presente e governar em seu meio” (CARSON et al, 2012, p. 1915).

Quando estamos em paz, estaremos, de igual forma, em paz dentro da igreja. Nós cristãos temos a missão de sermos apenas um corpo, sendo que a nossa relação na igreja deve ser harmônica e com muita paz. Quando não estamos no centro da vontade de Deus, indubitavelmente, levaremos para o ambiente da congregação muita discórdia e desarmonia. Jonas é um bom exemplo deste fato. Ele desobedeceu a Deus, mas dormiu tranquilo e aparentemente com muita paz (a falsa paz). O seu pecado trouxe transtorno e uma tempestade para o local no qual estava (WIERSBE, 2020, p. 182).

Que a paz governe o coração e a vida dos irmãos. Que Cristo seja senhor e apenas ele a prioridade de nossa vida. Que ele governe tudo e não as nossas falhas vontades. Perceba que o texto não oferece uma forma de decidir, baseada na paz do coração, e sim, o modo de viver, tendo Jesus como centro de tudo. Quando ele é a prioridade, a igreja consegue caminhar sem contendas. E Jeremias nos dá um aviso importante:

O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo? (Jeremias 17:9) (NVI).

O pecado é uma enfermidade do coração. No Antigo Testamento, o coração pode ser entendido como a razão, ou o lugar onde a vontade e as ações humanas surgem. O coração é corrupto por causa do pecado (PFEIFFER, 2017, p. 1120).

Não siga o seu coração, os nossos sentimentos e opiniões são passíveis de erro. Se guie pela palavra de Deus, busque nele a orientação. Sendo que, alguns dos nossos desafios, muitas vezes nos tiram a paz. Principalmente quando são coisas grandes ou complicadas, por isso que a paz é um péssimo guia. Nem sempre temos paz ao entrarmos em alguns desafios desconhecidos e radicais, mas nós temos Deus, que sempre estará conosco nos dando força.

Eu tenho um bom exemplo de como a paz no coração pode nos enganar. Pedi muito a Deus que ele abrisse as portas para eu conseguir fazer mestrado em uma instituição pública, por conta do custo. No final, passei no processo seletivo da Universidade Estadual de Maringá, uma ótima instituição, mas que fica a 424 km da cidade em que eu moro.

Em um primeiro momento, eu não fiquei em paz, visto que, eu precisaria viajar uma vez por semana até aquela cidade durante quase um ano para conseguir cursar todas as disciplinas do mestrado. No final, consegui a dispensa de um dia no trabalho, viajei toda a semana e consegui concluir as etapas necessárias para o mestrado. Foi um trabalho árduo, mas que valeu a pena, visto que, hoje, sou mestre em filosofia, mas se eu tivesse seguido a minha paz, não receberia esta benção de Deus.

Nem sempre estaremos em paz, por isso, aprenda a avaliar a situação com muita cautela e cuidado. Às vezes temos boas oportunidades, mas que nos trazem medo e falta de paz, pelo tamanho do desafio, como foi o meu caso.

Que Deus nos ajude a tomarmos boas decisões, que possamos aprender a confiar nele, entendendo que não estamos sozinhos.

BIBLIOGRAFIA

CARSON. D. A.; FRANCE, R.T.; MOTYER, J. A.; WENHAM, G. J. Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Editora Vida Nova, 2012.

PFEIFFER, Charles F. Comentário bíblico Moody: Volume 1. São Paulo: Batista Regular do Brasil, 2017.

O’BRIEN, Peter T. Colossenses. In: CARSON. D. A.; FRANCE, R.T.; MOTYER, J. A.; WENHAM, G. J. Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Editora Vida Nova, 2012.

WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico expositivo: Novo Testamento: Volume II. Santo André, Geográfica Editora, 2020.

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