INCOMPREENSÍVEL GRAÇA

Trabalhei por muito tempo com alguém que também era cristão, a grande diferença era que ele não entendia e muito menos aceitava a graça de Deus. Na sua visão meritocrática, a graça não tinha sentido e Deus não deveria salvar aqueles que não se esforçavam para segui-lo.

Este colega de trabalho, de tempos em tempos, chegava no trabalho indignado e me perguntava sobre a conversão. Ele não aceitava que, se alguém muito ruim se convertesse no final da sua vida, ele seria salvo. Além de não aceitar esta verdade, este indivíduo não conseguia entender que todos, até o ser humano aparentemente bom ou mesmo ele, não eram dignos da graça de Deus. O texto bíblico que nos ensina que todos pecaram e são carentes da graça divina (Romanos 3:23-26), era quase que uma afronta para ele.

A parábola do Filho pródigo (Lucas 15:11-32), fala justamente disso, da incompreensível graça divina. O filho mais novo havia pedido a sua herança ao seu pai (v. 12), uma atitude bem egoísta inclusive, já que ele não tinha o direito de fazer este pedido ao pai que ainda estava vivo. Mas ele pede e recebe todo o dinheiro e após isso, resolve sair de casa. Este filho pródigo queria viver a sua vida longe do pai.

O problema foi que ele esbanjou todo o dinheiro vivendo nababescamente, e termina por voltar arrependido para casa (v. 13-14). Após lembrar como em sua casa tinha tudo e que os trabalhadores tinham comida à vontade, ele resolve voltar como um simples trabalhador, não mais como filho (v. 17-19). Contudo, o seu pai perdoa o filho e o recebe novamente em sua casa e faz uma festa de comemoração pela volta do seu filho querido (v. 23).

Mas a história tem um segundo personagem muito importante, que era o filho mais velho. Enquanto ele voltava do campo (v. 25), certamente ele estava trabalhando, ouviu a música e a festa, e recebeu a notícia que o seu irmão havia voltado sendo recebido novamente em casa (v. 27).

Este filho se zangou muito (v. 28), para ele a atitude do seu pai era inadmissível. Como o seu pai pôde perdoar o seu irmão? A parábola fala justamente sobre esta dinâmica cristã que o meu amigo tinha dificuldade de entender. Como Deus pode perdoar alguém que errou muito, que viveu dissolutamente e pecou contra ele? Enquanto eu sigo fiel a ele, trabalhando em sua obra incansavelmente? Entender a graça de Deus nem sempre é fácil, ainda mais nesta sociedade que prega o mérito a qualquer custo. E a parte complexa é que muitos acreditam que são dignos da graça de Deus, que merecem o cuidado dele. O que estes não entendem é que ninguém merece, nós não recebemos a graça por qualquer mérito pessoal, mas pela divina misericórdia.

A palavra pródigo significa esbanjador, mas simboliza alguém que não tem qualquer ponderação e termina por gastar tudo o que tem. E Timothy Keller faz uma observação bem interessante sobre o pai do pródigo, que representa Deus, segundo a parábola. Ele nos mostra como o pai nesta parábola também foi pródigo, visto que, ele esbanjou perdão, e não ponderou em nos acolher e nos perdoar (KELLER, 2018, p. 13).

A graça é escandalosa, e vai de encontro com a forma de pensar do mundo. Ela desconstrói a nossa realidade e forma de pensar, transformando o mérito humano em um conceito vazio e fraco.

Nem todos entendem que ninguém é merecedor de qualquer cuidado e que não há nada que possamos fazer para merecermos a graça divina. A salvação nunca esteve ligada a algo que nós, seres humanos falhos e pecadores, podemos fazer e sim, com Deus.

A graça faz parte da ação de um Deus que ama e tem misericórdia, cabe a nós apenas aceitarmos e obedecermos a este Deus de graça.

Bibliografia

KELLER, Timothy. O Deus pródigo: recuperando a essência da fé cristã. São Paulo: Vida Nova, 2018.

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