Nem todos sabem lidar com a dor, sendo que muitos entendem a dor como algo negativo, como se ela não tivesse uma importante função em nosso organismo. A dor é fundamental, sem ela, certamente teríamos muitos problemas, como muito bem pontuam Paul Brand e Philip Yancey, no livro A dádiva da dor.
Esta obra se inicia com a história de uma menina que não sentia dor e, desde pequena, costumava morder os dedos. A criança não entendia a importância de ter cuidado com a sua saúde física e muito menos aceitava que era perigoso ficar se machucando. Por não sentir dor, ela não entendia o distúrbio e acreditava não haver problema algum em se cortar. Assim sendo, aos 11 anos, a criança perdeu todos os dedos das duas mãos pelo costume de mordê-los e precisou amputar as pernas, por se recusar a usar sapatos especiais e insistir em andar sempre descalça. A simples falta da dor trouxe inúmeros problemas àquela menina. Sua história é uma excelente metáfora humana sobre o perigo de vivermos uma vida sem dor.
Outra história impactante do livro é a de uma mulher na Índia que costumava assar batatas em um braseiro e, quando uma delas caía no fogo, ela chamava um senhor com lepra que costumava resgatar as batatas. Ele já não tinha a mão e os dedos perfeitos e seguia apático aos avisos do médico. Existia também um paciente que havia quebrado a perna, mas pela indiferença à dor, ele conseguiu piorar ainda mais o problema ao correr pela clínica, precisando assim, amputar a perna depois de um tempo (YANCEY; BRAND, 2005, p.19-20). Paul Brand complementa falando destas duas cenas e o impacto que elas geraram em sua vida:
“Essas duas cenas me perseguiram por muito tempo. Quando fecho os olhos, ainda posso ver as duas expressões faciais, a indiferença cansada do velho que tirou a batata do fogo, a alegria efervescente do jovem que correu pelo pátio. Eventualmente, um perdeu a mão, o outro a perna; eles tinham em comum uma despreocupação absoluta com a autodestruição” (YANCEY; BRAND, 2005, p. 20).
A mentalidade que tem alguém que não sente dor, impacta uma pessoa que sente e, com isso, se cuida para não prejudicar a sua saúde. A autodestruição que a hanseníase causa começa na mente, visto que o paciente não percebe a gravidade do seu problema e, por isso, segue prejudicando a integridade do seu corpo.
No decorrer do primeiro capítulo, Paul Brand, um médico especialista em hanseníase e no defeito genético conhecido como: “Indiferença congênita a dor”, expõe várias histórias de pessoas que prejudicaram a sua saúde e a integridade do seu corpo, pela simples falta de dor. A falta de dor gerava um descuido e, em contrapartida, problemas graves de saúde. A dor é um alerta que nos obriga a prestarmos atenção em um problema. Sem a dor, o ser humano segue se machucando, podendo perder partes do corpo e até a sua vida.
Tendo vivido os seus primeiros anos de vida na Índia, em meio a uma população pobre e sofrida, Paul Brand teve contato com a dor desde cedo, percebendo assim a sua importância. É fácil o ser humano cultivar o medo da dor, principalmente quando ele não entende os problemas que muitos indivíduos têm por não conseguir senti-la. Mas quando você entende o seu fundamental papel, você passa a olhá-la com outros olhos. Paul Brand complementa:
“A lepra apenas silenciava a dor, e os danos posteriores surgiam como um efeito colateral da insensibilidade. Em outras palavras, todos os danos subsequentes eram evitáveis” (2005, p. 188).
Por fim, o autor mostra no decorrer de todo o livro como a falta de dor é prejudicial e como muitos se machucavam, ficavam cegos e perdiam partes do corpo, tudo e porque não sentiam dor. A dor é uma dádiva, ela nos avisa e permite que consigamos tomar os devidos cuidados. Sem a sensibilidade que todos os seres humanos têm, um portador de hanseníase acaba se prejudicando por completo.
Nem todos percebem o papel da dor, existem pessoas que até ficam indignados ao ver a dor ou pessoas sofrendo com alguns males, a grande questão é que, o mundo sem dor, seria autodestrutivo, se resumiria em uma sociedade sem sensibilidade e apática aos sinais que nos ajuda a termos cautela e cuidado. E isso ficou bem claro no livro, com as inúmeras histórias dos pacientes que não tinham qualquer preocupação com a sua saúde.
A dor é um alarme que nos alerta e permite que tenhamos prudência e moderação, por isso que, entre não sentir nada e sentir, mesmo que seja dor, certamente é melhor sentirmos. A falta da dor deixa os seres humanos apáticos e autodestrutivos.
Bibliografia
YANCEY, Philip.; BRAND, Paul. A dádiva da dor: Por que sentimos dor e o que podemos fazer a respeito. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2005.
