As nossas crenças e o modo como vemos o mundo definem muita coisa. Refletimos e construímos opiniões sobre a vida, a política ou religião, entre tantos temas importantes, a partir das crenças e visões de mundo. Estas crenças nos guiam e certamente, em alguns momentos, nos levam por estradas complicadas, visto que nem sempre elas possuem fundamentos. E para explicar esta falta de fundamentos, gosto do conceito de verdade delirante, que Edgar Morin trabalha em seu livro O mundo moderno e a questão judaica. Este conceito explica muito bem o perigo escondido em algumas formas de pensar.
Algumas verdades são delirantes, ou seja, são verdades parciais, que, de forma local e isolada, até podem ser verdadeiras, mas que quando são usadas de uma forma descontextualizada, terminam por ser uma grande mentira. Edgar Morin ensina que:
“O que é uma verdade que se tornou delirante? É uma verdade de observação isolada, destacada de seu contexto e depois integrada num contexto ideológico artificial […]. É uma verdade parcial que se considera como verdade total quando o espírito reduz uma totalidade complexa a um único fragmento isolado e hipostasiado. É uma verdade local ou isolada que se generaliza de maneira abusiva” (2007, p.75-76).
O autor usa o antissemitismo, visto muito em nossos dias, como um bom exemplo de verdade delirante que é quando as pessoas constroem estereótipos de judeus, sendo que podemos ver estas caricaturas também em filmes. É quando as pessoas afirmam que todos os judeus são ricos ou que um judeu normalmente é pão-duro.
Um bom exemplo de uma verdade que se torna delirante, na minha opinião, é generalizar, que normalmente parte de um princípio verdadeiro, mas que se torna algo incoerente, pela forma e extensão com que a verdade é usada. No final, esta opinião se torna sem sentido e contraditória. Outro exemplo de generalização são aquelas pessoas que usam um acontecimento infeliz, como, por exemplo: aqueles pais que costumam abandonar os seus filhos, para justificar o aborto, visto que, nem todos os pais abandonam seus filhos e o abandono parental, não pode ser uma justificativa para o aborto. Na verdade, estas são duas questões que precisam ser tratadas e discutidas de forma independente. O abandono parental e o aborto são assuntos diferentes, e precisam ser discutidos separadamente.
Na igreja a verdade delirante se resume em falar que Deus é poderoso e por isso, ele fará um grandioso milagre na vida das pessoas, basta dar uma oferta de fé, segundo estes. E perceba a verdade delirante nesta fala, é claro que Deus é poderoso e nos responde e esta é uma grande verdade, mas é sempre da sua forma, em seu tempo e segundo a sua vontade, sendo que, algumas respostas são negativas, nem sempre ele age como queremos. Deus é Deus, por isso que, ele sempre faz conforme bem lhe apraz.
A militância de plantão também usa muitas verdades delirantes, eles pegam pautas genuínas, como a desigualdade, o preconceito racial e muitos outros temas relevantes, e usam como verdades para divulgar uma ideologia. Uma coisa é se posicionar por uma pauta identitária buscando assim posicionamento e ação da sociedade e do governo. Outra coisa é usar estas pautas para promover uma ideologia.
Tudo começa quando acreditamos que estamos certos. Unindo isso ao fato que muitas vezes nós não percebemos nossas contradições. A maioria dos nossos erros acontece por conta da nossa certeza. Aquele que se perde é porque na maioria das vezes, acredita que não está perdido.
Precisamos ser humildes e confessar que alguns casos escapam a nossa compreensão, por isso que é essencial tomar cuidado com a verdade delirante. É fácil usarmos um princípio verdadeiro, mas de forma errada. Ou usar uma verdade de forma descontextualizada, em nome de atender outros propósitos. Como o autoengano é comum a todos os seres humanos, distorcemos a verdade sem percebermos, acreditando estarmos fazendo uma ação genuína.
Bibliografia
MORIN, Edgar. O mundo moderno e a questão judaica. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
