A CULTURA DA GANÂNCIA

Na conhecida obra Um conto de Natal de Charles Dickens, Scrooge, o personagem central da história, é descrito como alguém muito rico, mas também muito avarento, que acreditava que celebrar o Natal era um desperdício de tempo e dinheiro. Ele tinha dinheiro, mas vivia economizando tudo, visto que, acumular riquezas era o seu objetivo de vida.

Gosto desta história porque ela mostra como o ser humano vive sem perceber suas contradições. Ele segue acreditando estar certo e só nota suas incoerências, quando acontecimentos o obrigam a pensar sobre a sua vida e escolhas, no caso do Scrooge, foram os espíritos do Natal, mas nós, pode ser a nossa saúde ou a morte de entes queridos. Gosto de como Charles Dickens descreve Scrooge logo no início da obra, o retrato é uma caricatura de alguém autocentrado e egoísta:

“Scrooge era um tremendo pão-duro! Um velho sovina, avarento, mesquinho, unha de fome e ganancioso! Duro e áspero como uma pedra de amolar, não era possível arrancar dele a menor faísca de generosidade. Era solitário e fechado como uma ostra” (2011, p. 10).

O dinheiro é algo ambivalente, ao mesmo tempo que ele permite vivermos bem, comprarmos coisas úteis e livros, ele também pode virar um deus falso, como diria Timothy Keller, um ídolo que toma todo o espaço da nossa vida. Muitos transformam a busca pelo dinheiro no objetivo final, a prioridade máxima da sua existência.

No livro Deuses falsos, Timothy Keller explica como a maioria das pessoas, inclusive cristãos, curiosamente não se veem como gananciosos e avarentos. O que permite que as pessoas sigam no engano, sem perceberem o erro das suas atitudes. Keller acrescenta que:

“A ganância se esconde da própria vítima. O modus operandi do deus dinheiro inclui a cegueira em nosso próprio coração” (KELLER, 2018, p. 73).

A ganância é um assunto trabalhado por muitos autores, inclusive filósofos, sendo que a “cultura da ganância” é justamente o assunto levantado por estes pensadores e é um dos grandes problemas da nossa época. E enxergar a ganância em nós é sempre desafiador, a maioria das pessoas não percebe e, por conta disso, não mudam (KELLER, 2018, p. 72). O desafio é caminhar em um mundo onde acumular coisas não é um erro, na verdade, é sinal de status e sucesso. À luz da Bíblia, um avarento é um idólatra. O Apóstolo Paulo, em Efésios explica que:

“Porque bem sabeis isto: que nenhum fornicador, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus” (Efésios 5:5) (ARC).

Um avarento pode ser visto como idólatra, porque coloca o dinheiro no lugar de Deus em sua vida, como um ídolo, que não pode ser tocado e precisa ser reverenciado. Ele existe, mas tem a função primordial de lhe dar status e posição, não é algo que você usa para um fim pontual e sim, um deus que precisa ser servido. Warren Wiersbe complementa:

“Paulo equipara a avareza à idolatria, pois consiste na adoração de algo além de Deus” (2006, p. 58).

Este tipo de idolatria transforma o ser humano em um servo do dinheiro. Assim como pessoas serviam a reis e juízes terrenos, muitos vendem a sua alma para o ídolo da riqueza. E ao esperar que estes ídolos lhe deem significado de vida e segurança, servi-los e obedecer-lhes é a motivação central, sendo que, quando você vive para estas coisas, se torna um escravo delas. Mas quando Deus é o centro de tudo, o resto fica abaixo, em uma posição inferior (KELLER, 2018, p. 77). Timothy Keller novamente complementa:

“Se sua identidade e segurança estão em Deus, as riquezas não podem controlá-lo por meio da preocupação e do desejo” (KELLER, 2018, p. 77).

Eu já enfrentei muitos vieses financeiros, momentos nos quais, precisei buscar recolocação no trabalho, o que já é difícil por si só, enquanto lidava com um problema sério de saúde. É claro que nestas horas, a dúvida e a preocupação davam as caras, insistindo em jogar no coração o fardo da preocupação. Mas confiar é justamente seguir, acreditando no cuidado e provisão de Deus. E em todos os momentos, víamos Deus cuidando de nós.

O dinheiro e as posses trazem consigo preocupações, basta uma crise financeira que tudo acaba ruindo, mas quando a nossa vida e segurança é fundamentada em Deus, as preocupações e o desejo descontrolado não ganham lugar em nosso coração.

A ganancia é perigosa, pois, nos faz colocar o coração nas coisas passageiras. A nossa riqueza está no eterno Deus e não em objetos que se vão com o tempo. Confiar no dinheiro, é construir sua casa na areia, em coisas que não se sustentam, quando as tempestades da vida surgem (Mateus 7:24-27).

Vivemos em uma sociedade onde viver a vida para ter as coisas, não é um erro. Na verdade, aquele que tem muito, que acumula bens, é visto como uma pessoa de sucesso. Nadar contra esta maré é o nosso desafio como cristãos. Entenda que, não estou falando que temos que viver uma vida de pobreza e sim, para não colocarmos o nosso coração nas posses.

Nós estamos no mundo, mas o nosso coração precisa estar em Deus. Colocar coisas no lugar de Deus, é fundamentar a sua vida em objetos efêmeros. Confie no eterno, coloque ele no centro de sua vida e não permita que um ídolo algum tome o seu lugar.

Bibliografia

DICKENS, Charles. Um conto de Natal. Porto Alegre: Editora L&pm, 2011.

KELLER, Timothy. Deuses falsos: As promessas vazias do dinheiro, sexo e poder, e a única esperança que realmente importa. São Paulo: Vida Nova, 2018.

WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico expositivo: Novo Testamento 2. Santo André: Geográfica Editora, 2006.

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