Não é incomum vermos indivíduos atribuindo a culpa de todas as catástrofes do mundo a algumas pessoas ou classes sociais. Normalmente são estes que dividem o mundo em mocinhos e bandidos. Sendo que os bandidos são sempre os outros.
Na igreja, a divisão é feita entre pecadores, que são as pessoas que não são cristãs e os cristãos, os justos. Quem tem Jesus, segundo estes, são abençoados, quem não tem, vive no caos e na falta.
A parábola do filho pródigo (Lucas 15:11-32) fala um pouco disso. É quando Jesus conta a história do irmão mais novo, o pródigo, que pediu toda a sua herança ao seu pai, ofendendo-o por tal pedido e depois por sair de casa. Ele o desonrou com estas atitudes e gastou todo o dinheiro de forma irresponsável. Mas Cristo também fala do irmão mais velho do filho pródigo, que foi aquele que não aceitou o perdão do pai, quando o seu irmão retornou arrependido.
O irmão mais velho havia sido fiel, ele trabalhou duro para o pai e queria recompensas. No seu modo de ver a vida, era injusto o pai perdoar o irmão ingrato, afinal, ele não havia se esforçado tanto e também não era fiel como ele. Timothy Keller acrescenta algo importante sobre esta parábola:
“Se, a exemplo do irmão mais velho, você pensa que Deus precisa abençoá-lo e ajudá-lo porque, afinal de contas, você se esforçou tanto para obedecer e ser uma pessoa do bem, então Jesus até pode ser seu ajudador, seu exemplo e até inspiração, mas ele não é seu Salvador. Você está servindo na condição de seu próprio Salvador” (2018, p. 41).
Perceba como, no final, cada irmão estava usando o seu pai de uma forma diferente, sendo que ambos acreditavam que mereciam retorno. O filho pródigo entendia que ele deveria ter acesso à sua herança, mesmo com o seu pai vivo e o filho mais velho, queria ser recompensado por suas atitudes. No final, os dois irmãos estavam usando o seu pai, ambos tinham uma mentalidade de mérito.
A graça é uma loucura justamente porque desconstrói o mérito. E se você acreditar ser merecedor por ser obediente, fiel e frequentador assíduo da igreja, você não só não entendeu a graça, mas também está usando Deus como fonte de ganho. Com a sua “fidelidade” o propósito é conquistar os favores de Deus. A questão é que o evangelho não nos ensina isso.
O evangelho nos ensina que ninguém merece, ser humano algum é digno de favor algum, não existe justo algum (Romanos 3:10-12), todos são pecadores (Romanos 3:23-26). A divisão em mocinhos e bandidos é errada, na verdade, segundo a palavra de Deus, todos são bandidos, ninguém merece a graça divina. E se fomos alcançados, precisamos ter este sentimento de humildade.
O propósito do termo já deixa isso explícito. Graça é um favor para aquelas pessoas que não merecem ajuda alguma. Com isso, pressupomos que aqueles que foram alcançados também não mereciam, por isso, eles precisam ser humildes e gratos a Deus.
O mundo poderia ser dividido em pessoas culpadas e culpados alcançados pela graça divina. E isso não pode gerar em nosso coração orgulho, mas um sentimento de gratidão a Deus. Só é orgulhoso quem acredita que merece a ajuda, tal qual o irmão mais velho da parábola.
A vida cristã não pode ser vivida como uma eterna busca por retorno, como se merecêssemos a graça de Deus, mas com gratidão e humildade, visto que, fomos alcançados, sem merecimento algum.
Bibliografia
KELLER, Timothy. O Deus pródigo: Recuperando a essência da fé cristã. São Paulo: Vida Nova, 2018.
