A vida em sociedade pode ser resumida em uma grande e infindável aglomeração de indivíduos. Viver em sociedade é ter que enfrentar diariamente uma copiosa multidão. Quem nunca pegou um ônibus lotado, um congestionamento ou mesmo foi a uma praia abarrotada de banhistas? Mas nem sempre foi assim, como explica José Ortega y Gasset no livro A rebelião das massas.
Existiu um mundo onde as pessoas viviam divididas em pequenos grupos. Sejam em povoados afastados das cidades, nas aldeias ou bairros. Naqueles tempos, as pessoas viviam menos aglomeradas, contudo, hoje vemos inúmeras multidões em todos os lugares, muito mais do que antes (GASSET, 2016, p. 79).
Enquanto no passado cada um se concentrava em sua comunidade, vivendo conforme seus costumes e lidando com inúmeras dificuldades que a vida trazia, já que naquela época ninguém tinha tudo, um simples banheiro ou algumas facilidades que temos em nossos dias eram coisas raras. Hoje as pessoas têm tudo, pelo menos muito mais do que antes, e se acham no direito de impor suas opiniões a todos. O acesso criou uma nova forma de pensar nas pessoas.
O autor define massa como indivíduos que não se valorizam ao ponto de acreditarem serem como todos. Este homem-massa gosta de ser igual à multidão, ele não se sente inferior por conta disso, ao contrário, esta é uma das suas peculiaridades mais latentes (GASSET, 2016, p. 81). Poderíamos dizer que estes são os conformados, aqueles que acreditam que a vida é assim mesmo e todos precisam seguir uma lógica semelhante e aceitar que a vida é assim. E são muitos os que, ao invés de optarem viver conforme querem, optam por seguir a moda, o costume das massas, se moldando, assim, ao costume imposto.
É impossível não olharmos para os nossos dias e percebermos claramente este fato acontecendo quando grupos vivem segundo o que a moda ou o marketing incentiva. Existem também aqueles que acreditam que todos devem viver segundo as suas crenças e, por isso, exigem uma linguagem neutra, opiniões e costumes impostos, sendo que, quem pensa diferente, eles buscam calar e eliminar da sociedade, como se fosse um erro contestar e pensar diferente. Gasset explica esta dinâmica pontuando que:
“A massa sufoca tudo que é diferente, magnânimo, individual, qualificado e seleto. Quem não for como todo mundo, quem não pensar como todo mundo, corre o risco de ser eliminado” (2016, p. 84-85).
Assim sendo, como cristão, eu muitas vezes tenho inúmeros problemas com esta massa, principalmente quando me posiciono contra o aborto; o totalitarismo mascarado em algumas opiniões políticas e assim por diante. A massa não aceita o diferente e tenta impor a sua forma de pensar a todos.
Viver é decidir, é ser obrigado a usar a nossa liberdade para tomarmos decisões e entendermos o que vamos fazer neste mundo. E isso também serve para a vida coletiva, que disponibiliza um grande horizonte de possibilidades para escolhermos. E nesta sociedade onde temos a possibilidade de escolher nossos governantes, este direito de votar só mostrou como quem escolhe, no final, é o homem-massa. Existiu um tempo em que as massas não podiam decidir, somente aceitavam as escolhas da minoria e seguiam a vida. Hoje precisamos aceitar a opinião da maioria, do homem-massa e colher as consequências (GASSET, 2016, p. 118).
Apesar de gostar de viver em uma democracia, aceitar que uma boa parte dos nossos atuais problemas é fruto de escolhas ruins de uma massa alienada, que muitas vezes é manipulada em nome de propósitos escusos, é sempre desafiador. Ainda mais em nossos dias, com os governantes tomando atitudes totalitárias como estamos vendo, usando narrativas mentirosas para seguirem vivendo nababescamente enquanto a sociedade passa dificuldade.
Viver em meio aos homens-massa é assim, sendo esta uma das críticas que o autor traz. A massa decide, aceita narrativas muitas vezes mentirosas e segue segundo a opinião de todos, sem realmente refletir, pensar e decidir por vontade própria. Gasset novamente afirma que:
“O homem-massa é o homem cuja vida carece de projetos e anda à deriva. Por isso não constrói nada, ainda que suas possibilidades, seus poderes, sejam enormes” (GASSET, 2016, p. 119).
Esta é a nossa sociedade, pautada na mentalidade daqueles que insistem em seguir a massa, que ouvem e acreditam, sem refletir e pensar, que seguem a correnteza sem ter um pensamento próprio.
Antigamente, a vida não era fácil, viver era um desafio e envolvia ter que lidar com inúmeras dificuldades. Hoje a vida é fácil, e as pessoas esquecem de ser gratas pelas facilidades da vida, que não existiram em outros tempos. O homem-massa é, antes de tudo, alguém que só pensa em seus direitos e acredita que tudo gira em torno de si, na conhecida mentalidade do menino mimado.
O que antes era considerado um presente da sorte, que gerava no coração das pessoas uma atitude de gratidão, virou um direito. Hoje em dia, as pessoas seguem muito mais exigindo, se esquecendo de ser grato pelas coisas que possuem (GASSET, 2016, p. 126). Como pontuei, antes não existia o mínimo para alguém viver dignamente ou com algum conforto, por isso que era fácil agradecer pelo pouco que a pessoa conseguia.
É esta massa, que segue o fluxo do mundo, sem critérios, reflexão e esforço, exigindo seus direitos, mas impondo a sua opinião a todos. E ao olhar para a nossa realidade, fico impressionado como um livro escrito em 1930 consegue descrever com tanta lucidez a realidade da nossa sociedade.
Bibliografia
GASSET, José Ortega Y. A rebelião das massas. Campinas: Vide Editorial, 2016.
