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LIÇÃO ESQUECIDA
“Eu lhes suplico, irmãos, que se tornem como eu, pois eu me tornei como vocês. Em nada vocês me ofenderam; como sabem, foi por causa de uma doença que lhes preguei o evangelho pela primeira vez” (Referência: Gálatas 4:12-16) (NVI).
Nem todos os cristãos entendem e concordam que o nosso exemplo e o modo como nos comportamos são os primeiros passos para conseguirmos transmitir o evangelho às pessoas. As nossas atitudes também comunicam e é isso que os cristãos precisam entender.
E sobre atitudes, Paulo inicia esta passagem fazendo uma súplica importante: “sejam como eu” (Gálatas 4:12). Nem sempre os cristãos se veem como bons exemplos, é comum muitos enfatizarem que é somente Jesus que devemos imitar. Contudo, na Bíblia, vemos o apóstolo Paulo agir de um modo bem contrário a esta opinião, ele fala para o imitarem, já que ele imita a Cristo (1 Coríntios 11:1), sendo que nesta passagem percebemos algo bem semelhante quando ele diz para estes irmãos serem como ele. O que concluímos é que, se alguém não pode nos imitar, não estamos imitando a Jesus. Ou nós nos posicionamos como cartas vivas (2 Coríntios 3:3), como arautos do evangelho, ou seguiremos bem distantes da vontade de Deus vivendo um cristianismo de teoria. É evidente que Jesus Cristo é o nosso norte, é ele que precisamos imitar, mas o nosso exemplo como cristãos deve também influenciar as pessoas a desejarem imitar a Cristo. John Stott complementa:
“Paulo pede aos gálatas que se tornem como ele. No contexto, esse apelo só pode significar o seguinte: Paulo ansiava que os gálatas se tornassem como ele na fé e na vida cristãs, que fossem libertos da influência maligna dos falsos mestres e compartilhassem as convicções sobre a verdade como ela é em Jesus, sobre a liberdade com a qual Cristo nos fez livres” (STOTT, 2018, p. 72).
Não é incomum encontrarmos cristãos que conheceram a verdade do evangelho, vivendo uma prática cristã que é muito mais uma moda do que um ensino bíblico. Ser cristão é caminhar conforme os ensinos da Bíblia e não seguir nenhum pseudo pastor e seus hábitos autoimpostos. É seguir distante das influências de falsos mestres e convictos da verdadeira liberdade em Cristo.
E o apóstolo Paulo continua e relembra um episódio importante que ocorreu quando ele foi pregar naquele lugar. Ele relata que estava doente quanto estava com eles e, apesar da enfermidade, ele foi recebido como se fosse alguém muito importante (Gálatas 4:13-14). O apóstolo se concentra em fatos importantes e relembra uma lição que certamente com o tempo eles esqueceram. Sobre a sua doença, ele diz que:
“Embora a minha doença lhes tenha sido uma provação, vocês não me trataram com desprezo ou desdém; pelo contrário, receberam-me como se eu fosse um anjo de Deus, como o próprio Cristo Jesus. Que aconteceu com a alegria de vocês? Tenho certeza que, se fosse possível, vocês teriam arrancado os próprios olhos para dá-los a mim” (Gálatas 4:14, 15) (NVI).
Na Antiguidade, os olhos eram tidos como os órgãos mais valiosos, de um modo que Paulo poderia estar somente afirmando que: eles estavam propensos a se sacrificarem muito por ele. Entretanto, o aposto “se fosse possível” (Gálatas 4:15) revela a probabilidade de o apóstolo estar falando dos seus olhos. Em um estado intenso, a sua enfermidade poderia estar relacionada a um grave problema na visão (POHL, 2012, p. 155).
É visível a preocupação e o amor de Paulo por eles, mas em meio ao seu diálogo, ele faz uma pergunta essencial, que joga luz nesta passagem. Ele pergunta se havia se tornado um inimigo, por somente estar falando a verdade (Gálatas 4:16).
Paulo nesta passagem foca em episódios e fatos importantes que aconteceram e que certamente eles estavam esquecendo. E nós também podemos incorrer no mesmo erro quando, em meio às influências negativas, começamos a esquecer e menosprezar fatos essenciais em nossas vidas, histórias que revelam o quanto Deus é benevolente.
O apóstolo queria que os Gálatas relembrassem dos momentos importantes e pedia para que o posicionamento dele, de corrigir e ajudá-los, não se tornasse um problema. John Stott novamente complementa:
“Há uma lição importante nesta passagem. A autoridade de um apóstolo não cessa quando ele começa a ensinar verdades não populares. Não podemos ser seletivos na leitura da doutrina apostólica do Novo Testamento” (STOTT, 2018, p. 73).
O Novo Testamento nos oferece ensinos essenciais, bases da fé que precisamos seguir, sendo que é um erro escolhermos somente o que gostamos na Bíblia.
Os Gálatas estavam esquecendo lições fundamentais que aconteceram com eles e estavam tendo dificuldades em lidar com as exortações do apóstolo.
Cuidado com as influências negativas que levam você a esquecer e seguir cada vez mais distante da verdade do evangelho. Não rejeite a correção e os ensinos que a palavra de Deus dá e siga firme no caminho da verdade.
Bibliografia
STOTT, John. Lendo Gálatas com John Stott. Viçosa: Ultimato, 2018.
POHL, Adolf. Carta aos Gálatas: Comentário Esperança. Curitiba: Editora Esperança, 2012.
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A MÁSCARA DA INTOLERÂNCIA
Por trás de todo intolerante quase sempre existe algum problema escondido. A intolerância mascara, na maioria das vezes, algumas falhas ou medos que precisam permanecer ocultos. E para esconder tais fantasmas, ser intolerante é uma boa opção, já que o intolerante pode se concentrar em apontar para o erro do outro e condenar os seus equívocos, enquanto ele mesmo não é visto.
Um indivíduo realmente seguro, com uma vida resolvida e consciente de suas qualidades e defeitos, normalmente não é intolerante, por saber bem quem ele é e como os outros são. O sentimento de segurança é fruto da consciência de quem nós realmente somos, ou seja, da consciência de entender que estamos suscetíveis tanto aos erros quanto aos acertos. Nilton Bonder explica que:
“A intolerância é a reação do amedrontado, do desconfiado e do confuso, cuja função maior é ocultar perguntas e essências” (2011, p. 118).
O intolerante, por mais que pareça um corajoso, alguém que quer “combater” um mal, no fundo, ele é um indivíduo confuso, que não consegue lidar com as suas falhas e dificuldades. Alguém bem resolvido não perde tempo em acusar ou agir de modo intolerante, justamente porque ele sabe que todos têm os seus erros e também seus acertos.
Sem contar que, uma pessoa bem resolvida, não precisa provar nada para ninguém, por entender que nem tudo tem respostas, conseguindo assim, seguir sem ficar se justificando.
Quem tem problemas se exalta, não consegue ouvir críticas e, se puder, bate de frente em quem tem uma opinião contrária. Tais pessoas têm dificuldades com opiniões divergentes, justamente porque não têm opiniões fundamentadas ou não cultivam o autoconhecimento.
Às vezes, as atitudes intolerantes são inconscientes, nem todos conseguem avaliar as suas ações, por isso, preste bem atenção nas coisas que tiram você do sério. Aprenda a pontuar os seus pontos fortes e os pontos fracos, justamente para que você possa entender quais áreas você precisa melhorar.
Depois, pense sobre todos os seus sabotadores, os quais são comportamentos ou pensamentos negativos que atrapalham você. É fácil ser traído por estes sabotadores e deixarmos de melhorar e evoluir cada vez mais. Buscar se autoavaliar e cultivar a prática do autoconhecimento, sendo ações constantes, é fundamental para seguirmos nos aperfeiçoando e não sermos traídos pelos nossos pontos fracos.
A intolerância é o problema daqueles que não têm a vida resolvida, que carregam equívocos e situações por resolver. O indivíduo bem resolvido primeiramente aceita muito bem quem ele é, e segue buscando se aprimorar a cada dia. É uma ação diária de entender nossas dificuldades e sabotadores, para depois buscar o aprimoramento. Não é possível crescer como ser humano sem antes nos avaliarmos, aceitarmos quem somos para, depois disso, conseguir mudar.
No fundo, a intolerância é uma máscara, que esconde falhas e dificuldades que o intolerante não consegue trabalhar.
Bibliografia
BONDER, Nilton. Fronteiras da inteligência: A sabedoria da espiritualidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
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A FORÇA DA INTEGRIDADE
Quem realmente somos se revela na maioria das vezes em nosso secreto, em como nos comportamos quando não estamos sendo vistos. Em dias onde muitos insistem em construir uma imagem, é comum vermos alguns viverem uma vida de mentira e pura atuação.
Como vivemos e agimos, diz muito sobre nós, por isso que quem somos se revela nos momentos em que a pessoa não está sendo vista e quando não tem nada para ganhar em troca. Desconfio da bondade pública, da atitude ética que visa ganhar destaque ou likes nas redes sociais, por causa justamente disso.
Indo na contramão do que a nossa sociedade valoriza, a vida íntegra não é uma forma de viver que busca holofotes, likes e visualizações. A verdadeira integridade parte de como alguém vive quando não está sendo visto, e isso revela quem ele é realmente. É um modo de ser que não busca aparecer, mas ser alguém genuíno. Gosto de como Lynn Anderson define integridade:
“A integridade é aquela força, aquela sinceridade que podem ser medidas melhor por aquilo que alguém faz numa situação-limite quando ninguém mais saberá — exceto Deus. É quando a genuinidade de nossos corações será testada” (2001, p. 27).
Quem você é quando não está sendo observado? Como você se comporta quando não está sendo visto, independentemente dos seus problemas e situações? Uma pessoa íntegra não muda quando está sendo vista. E também não age de forma antiética, em busca de lucros ou retornos. Quem é ético e bom, não precisa aguardar retornos. Ou você é e sabe que precisa agir assim, ou não é e vive um personagem, uma mera atuação. Gosto de um conselho de provérbios, que contextualiza bem o que estamos abordando:
“Fazer o que é justo e certo é mais aceitável ao Senhor do que oferecer sacrifícios” (Provérbios 21:3) (NVI).
Fazer o que é certo e justo é muito melhor do que insistir em cultuar a Deus só para ser visto, agindo de um modo hipócrita e dissimulado. E Jesus Cristo entrou em conflito com os fariseus que ofertavam ou agiam como religiosos tementes a Deus só para serem vistos. No final, a ação deles era hipócrita, porque eles não praticavam o que pregavam (Mateus 23:1-7).
Integridade, segundo o dicionário, é a qualidade daquilo que é inteiro, de algo que não foi diminuído e muito menos alterado (PRIBERAM, 2024). Por isso, precisamos aprender a ser inteiros, honestos e íntegros, independente do lugar ou situação. Agir corretamente, para parecer uma pessoa boa, não é ser íntegro e muito menos ser um cristão, é agir esperando uma troca.
E Integridade na Bíblia significa a condição das pessoas que possuem um caráter verdadeiro, uma moral reta e coerente, em contraposição às pessoas que vivem em meio ao engano e falsidade. Para nós que somos cristãos, é fundamental sermos retos, com um caráter firme e uma vida espiritual verdadeira, que foge do que é corrupto e incoerente (CHAMPLIN, 2013, p. 347).
Por isso, não tenha medo de mostrar seus pontos fracos aos irmãos, busque sempre melhorar, mas tome muito cuidado para não viver um personagem. A vida cristã precisa ser íntegra e transparente, é viver o evangelho da verdade, fugindo daquela vida de atuação que vemos em muitos lugares.
Bibliografia
ANDERSON, Dr. Lynn. A canção do pastor: Encontrando o ânimo para prosseguir. São Paulo: Editora Quadrangular, 2001.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, teologia & filosofia: Volume 3. 11. ed. São Paulo: Hagnos, 2013.
PRIBERAM, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Integridade. Lisboa: Priberam, 2008-2024. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/integridade. Acesso em: 30/07/2024.
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O PAPEL DA FÉ E DA RAZÃO NA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA SEGUNDO SANTO AGOSTINHO
Nem sempre a fé e a razão são entendidas no ambiente cristão. Muitos acreditam que a razão atrapalha a fé e que certamente um exclui o outro, contudo, a filosofia e a teologia nos mostram que tanto a fé quanto a razão são importantes e essenciais para a vida cristã. Ter fé é fundamental, mas também usar a razão de um modo coerente para avaliar as coisas e construir conhecimento é um caminho inteligente.
O propósito deste texto acadêmico foi trabalhar a importância da fé e da razão na experiência religiosa, expondo como um não elimina o outro. O texto foi publicado nos Anais da Soter em 2022, por conta do 34º Congresso Internacional da Sociedade Brasileira de Teologia e Ciências da Religião, devido à minha participação no GT de Filosofia da Religião. O texto está na página 545.
Link do texto
https://www.soter.org.br/imagens/download_imagem.php?arquivo=34CongrSoter-Anais.pdf-221124175947.pdf
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O FUNDAMENTO DA NOSSA FÉ
“A própria escritura é a única competente para julgar a nossa doutrina da escritura” (2014, p. 25).
Keving DeYoung
A bússola é um instrumento de navegação que usa princípios magnéticos para determinar a direção certa que uma pessoa precisa tomar. Em tempos em que a tecnologia era escassa, este instrumento era fundamental para dar direção ao caminhante ou ao capitão de um navio. O mesmo podemos falar da Bíblia, para nós que somos cristãos, é uma ferramenta fundamental. Sem este instrumento sagrado, nos perderemos nos mares do mundo.
A Bíblia é o nosso norte, é a palavra que nos guia, além de também ser o nosso refrigério e consolo em momentos difíceis. Nela encontramos ensinamentos para conseguirmos viver uma vida equilibrada, rumo ao centro da vontade de Deus. Ou seguimos a palavra que Deus nos deixou para conseguirmos seguir dentro da sua vontade, ou nos perderemos em nosso autoengano.
Outra característica da Bíblia, que inclusive é uma regra da hermenêutica, é que ela interpreta a própria Bíblia. Uma regra que você pode até considerar contraditória, que soa como um raciocínio circular, mas não é, contudo, a pergunta fica no ar: de que maneira um livro pode determinar a sua autoridade?
Comprovar a autoridade da Bíblia a partir de outro livro seria transformar a palavra de Deus em algo menor e inferior. Ao fazermos isso, acabamos diminuindo o livro sagrado. Kevin DeYoung enfatiza que:
“Você não pode estabelecer a autoridade suprema da sua autoridade suprema indo a alguma outra autoridade menor. Sim, a lógica é circular, mas não mais do que o secularista defendendo a razão pela razão ou o cientista divulgando a autoridade da ciência baseada na ciência” (2014, p. 24-25).
É a própria palavra de Deus que precisa ser o padrão e o ponto de partida para interpretar a Bíblia. Como o texto não se contradiz, sem sombra de dúvida alguma, o seu ensino se sustenta, não precisamos de outra coisa para usar como um padrão interpretativo.
É através da Bíblia que nossa vida é fundamentada, se o que acreditamos não estiver neste importante livro, estaremos certamente equivocados. Ou a nossa doutrina é fundamentada na palavra de Deus, ou, certamente, seguiremos enganados.
O lado relevante que a Bíblia tem é que ela foi escrita tendo cada livro uma distância grande de tempo e local. Nem todos os textos foram escritos na mesma época, mas perceba que, mesmo assim, a Bíblia não se contradiz, mostrando como o ensino é fruto da revelação e vontade de Deus.
É o texto sagrado que julga os nossos conceitos e revela os fundamentos da nossa vida. É ele que diz se estamos fundamentados na rocha, ou em nossa equivocada opinião. Saber manejar este instrumento e usá-lo para que você consiga seguir rumo à vontade de Deus é uma ação imprescindível a todos os cristãos. Sem ela, certaremos que nos perderemos em meio às tempestades da vida.
Bibliografia
DEYOUNG, Kevin. Levando Deus a sério: Por que a Bíblia é compreensível, necessária e suficiente, e o que isso significa para você!. São José dos Campos: Fiel, 2014.
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OPINIÃO SEM ESFORÇO
Faço parte de uma geração que não presenciou uma guerra mundial. Somente alguns conflitos locais que não tiveram tanto impacto no mundo. Mas somente estes casos já são suficientes para nos mostrar os horrores que uma guerra pode causar. Certamente, a única guerra com a qual temos tido contato são as batalhas de ideologias. O mundo tem estado cada vez mais polarizado e o combate segue cada dia mais acirrado. A parte que me deixa preocupado nesta batalha toda é a ânsia que um dos lados tem em calar a oposição, como se a opinião discordante não pudesse existir. Existe uma imposição cada vez mais forte em nossos dias e uma falta de capacidade de aceitar as opiniões contrárias.
Tenho medo daqueles que insistem em ter opinião sobre tudo, esta característica somente revela como a pessoa, na verdade, não sabe de nada. Para termos um bom ponto de vista, precisamos de esforço, de trabalho intelectual e leitura. Estas são atitudes básicas para uma opinião bem fundamentada. E José Ortega y Gasset, no livro A rebelião das massas, faz uma brilhante crítica ao homem medíocre, com opinião sobre tudo, sem qualquer esforço prévio para forjá-la.
Ortega y Gasset discorre sobre um grupo de pessoas bem presente em nossos dias, que insiste em impor e conviver apenas com aqueles que concordam com eles. E a opinião sem esforço, é um fato que explica muito bem a ação destas massas.
Sobre a opinião sem esforço, Gasset ensina que o homem medíocre é aquele que acredita que pode ter a opinião sobre qualquer tema ou conteúdo, sem empenho algum em forjar o seu ponto de vista (2016, p. 141). Assim sendo, estas pessoas versam sobre temas diversos, sem o mínimo de leitura, pesquisa e reflexão, sendo que a maioria dos assuntos importantes necessita de algum tempo e muita análise, para conseguirmos construir um olhar coerente.
Estas pessoas se contentam com o repertório de ideias que possuem, sem sentir qualquer necessidade de estudar e aprimorar seus conhecimentos. Com isso, estes se sentem completos e autossuficientes, mas com um repertório totalmente limitado (GASSET, 2016, p. 142). Ortega y Gasset complementa:
“O homem-massa se sente perfeito. Um homem de seleção, para se sentir perfeito, tem que ser especialmente vaidoso, e a crença em sua perfeição não está consubstancialmente unida a ele, não é ingênua, mas vem de sua vaidade, e tem um caráter fictício, imaginário e problemático até para ele mesmo. Por isso o vaidoso precisa dos outros, porque busca neles a confirmação da ideia que quer ter de si mesmo” (2016, p. 142).
Nestas constantes discussões e debates políticos, vemos pessoas que não dialogam, não pensam na opinião oposta e, se puderem, até diminuem as pessoas que possuem bons argumentos. E, como estes indivíduos seguem fechados em seus grupos e não dialogam com quem discorda deles, eles não se abrem para nada fora da sua esfera de pensamento.
É o que Gasset chama de homem-massa, um grupo de pessoas vaidosas, com repertório limitado e que não se abrem para o diálogo honesto, preferindo se fechar para as outras pessoas e qualquer coisa que fuja do limitado contexto deles. O livro explica toda a história, a dinâmica desta massa de uma forma tão atual, que não parece que a obra tenha sido escrita em 1930.
Creio que o autor conceituou de forma muito certeira a dinâmica da guerra de ideologias que temos visto. E não é um debate ou uma discussão honesta para assim o grupo chegar a uma opinião razoável, e sim uma discussão com o propósito de afagar egos e apenas ganhar um debate. Ou seja, é uma discussão inútil.
É o que eu sempre digo, alguns problemas sociais são complexos, por isso, precisamos de humildade e de muito diálogo honesto para conseguirmos chegar a uma resposta razoável. Sem humildade e abertura para ouvir e dialogar, a guerra continuará sem qualquer utilidade.
Já faz muito tempo que eu não entro em alguns debates, justamente porque nem todos possuem a motivação correta. Saber expor o seu argumento, a partir de fontes coerentes e de muito trabalho intelectual, e também saber ouvir, são atitudes fundamentais para as discussões produzirem frutos. Se eu não tenho certeza de que estas ações serão cumpridas, prefiro me calar ao invés de entrar em uma discussão só para tentar ganhar.
Desconfie de quem opina, mas sem buscar informação e conteúdo. Tenha cuidado com aqueles que possuem opinião sobre tudo, mas não buscam estudar e construir conhecimento. São estes que acreditam saber e não se esforçam para buscar conhecimento.
Bibliografia
GASSET, José Ortega Y. A rebelião das massas. Campinas: Vide Editorial, 2016.
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O DEUS QUE DESTRÓI SONHOS
O ser humano é mestre em complicar as coisas, por isso que constantemente ele se encontra em situações adversas. Perceber a importância das coisas simples nem sempre é possível, agora complicar, exagerar e se preocupar em demasia, sem qualquer motivo, já é um pouco mais fácil.
E um destes pontos importantes, porém simples, é que para sermos cristãos, conhecermos a palavra é essencial, sendo este fato algo bem óbvio, mas que ainda precisa ser dito por vermos um evangelho sendo praticado tendo tudo como base, menos a Bíblia. O cristianismo do self é muito difundido em nossos dias e é justamente esta crítica que Rodrigo Bibo faz no livro O Deus Que Destrói Sonhos.
Faça uma avaliação sincera da realidade da igreja que você vai perceber como muitos cristãos vivem a sua vida calcada em opiniões próprias ou ensinos de falsos mestres que estão longe da palavra de Deus. E estes mestres da mentira, infelizmente, têm muitos seguidores, justamente porque falam o que as pessoas querem ouvir.
O autor explica como esta teologia good vibes, como ele chama, insiste em apontar para o ser humano, levando-o a acreditar que seus anseios estão acima da própria obra de Deus e que ele não criou ser humano algum para sofrer e sim, para ser prósperos e vitoriosos (BIBO, 2021, p. 27). Rodrigo Bibo acrescenta, explicando que:
“O avanço dessa teologia não é culpa somente de pregadores e cantores, é de todo o povo que consome esse conteúdo sem critérios. Um povo que, no fundo, só quer Deus por aquilo que ele pode dar” (BIBO, 2021, p. 27).
Este é o Cristianismo do self, que coloca o ser humano no centro e Deus, como um simples servo. A vida cristã está longe de ser isso, sendo que, ter critérios, como o autor coloca, e buscar refletir a partir da Bíblia, é essencial. Deus não é um mero serviçal, ele é o nosso salvador, que pela graça nos alcançou. E se fomos tocados por ele, servi-lo e buscar fazer a sua vontade, e não a nossa, é o primeiro passo lógico.
Quando lemos a Bíblia, percebemos o quanto estamos distantes da vontade do criador. A palavra de Deus continuamente nos confronta e nos desafia a mudarmos e fazermos a vontade de Deus. A ênfase em sermos servidos e atendidos por Deus não é um princípio bíblico e, por mais que somos convidados a levarmos os nossos problemas e anseios aos pés do criador, aceitar que nem sempre somos respondidos conforme a nossa vontade e sim, a dele, é um princípio básico. O deus que muitos cristãos descrevem está longe do Deus que a Bíblia revela a nós. E servir a ele não é ter uma vida de prosperidade e muito menos ser atendido e servido, conforme os anseios do nosso coração. Ser cristão é seguir a Cristo, entendendo que a sua vontade é sempre a melhor.
E este livro de Rodrigo Bibo cumpre muito bem este propósito ao mostrar qual é o caminho da verdadeira vida cristã. Com linguagem crítica e descontraída, o autor revela inúmeras contradições que seguem bem distantes da palavra de Deus. A obra nos desafia a colocarmos em prática um cristianismo centrado, entendendo que a vontade de Deus está acima dos nossos desejos e vontades.
Bibliografia
BIBO, Rodrigo. O Deus Que Destrói Sonhos. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021.
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DESAFIOS DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ III: AUTOCONHECIMENTO E VIDA CRISTÃ
O conhecimento é algo realmente maravilhoso, muda a nossa vida e expande a nossa visão. De igual importância é o autoconhecimento. Não é raro vermos muitos que não sabem ao menos quem são e, por isso, seguem cometendo erros. Buscar nos conhecer e sair do automático é uma atitude importante, inclusive para aqueles que buscam ter uma espiritualidade saudável.
O autoconhecimento na espiritualidade cristã é um ponto fundamental. Não é possível conhecer a Deus sem antes sabermos bem quem nós somos. É quando entendemos isso que olhamos para Deus, sendo que, ao pontuarmos nossas falhas e dificuldades, aprendemos a buscar em Deus uma saída para os nossos problemas. Quando não nos conhecemos, mal nos damos conta destas falhas.
E sobre este assunto, muitos teólogos e pensadores cristãos já mostraram a importância do autoconhecimento para a vida cristã, destaco um deles, entre tantos que abordaram o tema. Santo Agostinho diz que:
Ouso ensinar-te duas coisas, isto é, conhece-te a ti mesmo e a Deus (Sol. I, 15).
É fundamental entendermos bem quem somos, a espiritualidade coerente, parte desta verdade, para depois disso, conseguirmos conhecer a Deus. É impressionante constatarmos como a maioria dos seres humanos perece sem saber quem são.
Temos nossos medos, afinal, somos humanos, temos também os nossos sonhos, as nossas habilidades e dificuldades. E para completar, temos uma história que, em muitos casos, influencia a nossa vida. Ter consciência destas verdades é um passo importante para sermos cristãos relevantes. E é neste ponto que o autoconhecimento entra. John Stott nos ensina que:
“Até que tenhamos descoberto nós mesmos, não conseguiremos descobrir facilmente nenhuma outra coisa (STOTT, 2004, p. 72).
David Walton discorre sobre o autoconhecimento como o princípio para a inteligência emocional; sendo que o autocontrole parte justamente disso. Ele nos ensina também que a autoconsciência é a capacidade de conseguirmos entender quem somos, sabendo o que nos motiva ou nos desanima, e o porquê disso acontecer (WALTON, 2016, p. 35). Ao nos descobrirmos, conseguimos mudar, vencendo os obstáculos pessoais que prejudicam a nossa vida e a nossa espiritualidade. Pense que somos os nossos maiores sabotadores.
E por mais que o autoconhecimento seja complexo, já que a prática parte da minha vida e eu estou sujeito a muitos erros, não é impossível entendermos quais são os nossos erros e dificuldades, pelo menos o mínimo, para desta forma conseguirmos melhorar.
Peter Scazzero ensina que o autoconhecimento e a nossa comunhão com Deus são pontos totalmente interligados. Sem dúvida, o desafio de colocarmos de lado a nossa vida antiga e vivermos de forma genuína a nossa nova vida está no âmago da espiritualidade saudável e do nosso relacionamento com Deus (2013, p. 83). Anselm Grun pontua que:
“Sem o autoconhecimento correremos sempre o perigo de nossos pensamentos acerca de Deus serem meras projeções” (1994, p. 26).
Tire um tempo para refletir sobre a sua vida, tenha humildade para confessar suas falhas e áreas nas quais tem dificuldade. Nós só mudamos quando entendemos nossos pontos fracos. Busque ferramentas coerentes para desenvolver o autoconhecimento e aprenda a refletir de tempos em tempos sobre a sua vida, suas qualidades e dificuldades.
Algumas práticas são constantes, sendo que o autoconhecimento é um posicionamento, uma forma de agir e refletir. Por isso, descubra quem você é e cultive uma espiritualidade emocionalmente saudável.
BIBLIOGRAFIA
AGOSTINHO, Santo. Solilóquios; A vida feliz. 1. ed. São Paulo: Paulus, 2014.
GRUN, Anselm. O céu começa em você: A sabedoria dos padres do deserto para hoje. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.
SCAZZERO, Peter. Espiritualidade Emocionalmente Saudável: Desencadeie uma revolução em sua vida com Cristo. São Paulo: Hagnos, 2013.
STOTT, John. Por que sou cristão. Viçosa: Editora Ultimato, 2004.
WALTON, David. Inteligência emocional: Um guia prático. Porto Alegre: L&PM Editores, 2016.
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A COMPLEXIDADE DA SIMPLICIDADE
Tive o primeiro contato com o princípio do equilíbrio financeiro quando eu ainda era jovem e conversei com o gerente da empresa na qual eu trabalhava. Aquele profissional usava um carro popular, mesmo ganhando muito bem, parecia que ele não ligava para a posição social. Ele falava que um carro muito caro não valia a pena, por conta de todos os custos de manutenção e seguro, sendo que um carro popular tinha a mesma funcionalidade de um carro luxuoso.
Esta foi a primeira vez que vi alguém com condições viver de modo consciente e equilibrado, sem ligar para luxos e posição social, usando o dinheiro de maneira inteligente e funcional. Depois deste dia, conheci outras pessoas que optavam por viver uma vida mais simples e sóbria, fugindo do consumismo e das armadilhas que o dinheiro traz. A partir deste dia, busquei uma forma de viver de modo equilibrado.
A simplicidade é uma prática complexa, visto que ela segue na contramão das coisas vistas como normais pela sociedade. Existe uma espécie de conduta que a massa segue, mas quando alguém vive de modo diferente, tal forma de viver causa um estranhamento nas pessoas.
É comum vermos alguém que não ganha muito, comprar um celular ou mesmo roupas e carros bem caros. Conheci muitos que viviam sem dinheiro, mas que ostentavam uma vida nababesca. Sendo que muitos não veem lógica em alguém que ganha bem, querer economizar, vivendo de forma equilibrada.
Um dos desafios da simplicidade é conseguir lidar com este estranhamento, já que um carro zero quilômetro e uma casa em um bairro nobre são vistos como sinais de sucesso por muitos. Alguns até falam que dinheiro atrai dinheiro, tudo para justificar uma vida de ostentação, que na maioria das vezes é só de aparência, uma vez que, estas pessoas não revelam o alto preço que muitas vezes elas pagam, por viverem a vida no limite.
A simplicidade acaba sendo complexa, justamente porque vai de encontro com a norma. Saber gastar e ter o que é necessário é visto por muitos com olhares negativos, sendo esta uma vida sem prazer, segundo eles. O que estes não entendem é que o prazer é muito mais do que comprar, ter e ostentar, é saber gastar, aproveitar o que temos e entender que não precisamos de tudo.
Eu não passo vontade, quando eu quero algo, eu faço os planos e adquiro o bem, a questão é que eu creio que eu não preciso de tudo e entendo que é fundamental saber fazer uma compra sábia. Algumas de nossas vontades são desejos passageiros ou sem sentido, saber refletir sobre isso é um primeiro passo para o equilíbrio.
Quem acredita que, para ser feliz, é preciso estar sempre comprando, no final, nunca terá uma vida satisfeita.
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LIBERTOS POR CRISTO
“Antes, quando vocês não conheciam a Deus, eram escravos daqueles que, por natureza, não são deuses. Mas agora, conhecendo a Deus, ou melhor, sendo por ele conhecidos, como é que estão voltando àqueles mesmos princípios elementares, fracos e sem poder? Querem ser escravizados por eles outra vez? Vocês estão observando dias especiais, meses, ocasiões específicas e anos! Temo que os meus esforços por vocês tenham sido inúteis (Gálatas 4:8-11) (NVI).
Como vivermos em sociedade, corremos muitas vezes o risco de sermos influenciados por práticas que não agradam a Deus. Nem sempre os cristãos têm consciência de como alguns hábitos e costumes são nocivos para a fé. Sem contar que, com a falta de conhecimento bíblico, é fácil vermos cristãos aderindo a modas gospel, que estão distantes da palavra do nosso soberano pai.
Esta importante passagem de Gálatas nos ensina que antes éramos escravos de deuses falsos. E agora que conhecemos e somos conhecidos por Deus, precisamos cuidar para não voltarmos às velhas práticas que não agradam ao nosso soberano, Deus (Gálatas 4:8-9).
Paulo nesta carta enfatiza que estes cristãos já conheciam a Deus, mas agora insistiam em retornar às velhas práticas e princípios elementares, arriscando voltar a ser escravos novamente (Gálatas 4:11).
Como seguidores de Cristo, precisamos entender que a nova vida que temos nele nos leva a abandonar aquelas práticas antigas e seguir pautado em sua verdade. Quem tem esta nova vida não pode voltar aos antigos hábitos que estão distantes da vontade de Deus. Os deuses antigos, os costumes da velha vida e as práticas que nos escravizavam precisam ficar para trás. John Stott complementa:
“Não é impossível voltar à velha vida; os gálatas haviam voltado. Mas é absurdo fazer isso. É uma negação fundamental do que nos tornamos, do que Deus nos fez, se estamos em Cristo” (2018, p. 71).
O texto nos ensina como é perigoso olhar para trás e voltarmos aquela velha vida. Se estamos com Cristo, precisamos seguir apenas a Ele. Adolf Pohl complementa afirmando que as pessoas que não conhecem a Deus acabam transformando qualquer coisa que conhecem e gostam em deuses. Nem sempre a racionalidade consegue eliminar os deuses da vida das pessoas, o ser humano tem uma tendência de buscar um deus para lhe ajudar, contudo, só o senhor é Deus (POHL, 1999, p. 150). Sem contar com aqueles que transformam ideologias, crenças e opiniões em verdadeiros deuses e seguem cegos por estes ídolos. Mas para quem nasceu de novo, abandonar as velhas práticas e seguir o caminho da graça é essencial.
Ser conhecido por Deus pode ser resumido em sermos chamados de filhos, somos conhecidos como filhos de Deus e não como um dos servos da casa. Consequentemente, quem é filho deste soberano pai também tem comunhão com ele. Sendo que as práticas pagãs e também a visão legalista dos judeus atrapalhavam o andamento deste processo, substituindo-o por uma lógica meritocrática pautada muito mais em obras (CHAMPLIN, 2014, p. 620). Os religiosos desta época entendiam que as obras e os méritos próprios eram o único caminho para um religioso. Sendo que estas pessoas, que já conheciam a verdade, estavam voltando a agir com esta mesma lógica. John Stott resume novamente o nosso desafio como cristãos quando diz que:
“Pela graça de Deus, devemos estar determinados a lembrar o que antes éramos e desejar nunca mais voltar a essa condição; lembrar o que Deus fez e conformar nossa vida a isso. Se nos lembrarmos disso, teremos um desejo cada vez maior de viver adequadamente, de ser o que somos, ou seja, filhos de Deus, libertos por Cristo” (2018, p. 71).
A nossa velha vida precisa ficar para trás, seguir a Cristo é viver buscando sempre ter uma vida equilibrada, procurando em todos os momentos fazer a vontade do nosso soberano Pai.
A vida antiga já se foi, somos novas criaturas em Cristo, por isso, tome cuidado com as coisas que influenciam você a voltar para a velha vida.
Bibliografia
STOTT, John. Lendo Gálatas com John Stott. Viçosa: Ultimato, 2018.
POHL, Adolf. Carta aos Gálatas: Comentário Esperança. Curitiba: Editora Esperança, 1999.
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo: volume 4. São Paulo: Hagnos, 2014.
